a representação da morte E O mito do cemitéiro em comunidade do município de biguaçu-SC: relato de experiência
Janete Leony Vitorino*
A constatação de que a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em adiá-la cada vez mais e, levando-se em conta a ajuda dinâmica da sociedade capitalista, que entende o morto como um ser improdutivo pretende-se a partir deste movimento visualizar nesta comunidade a significação da morte a partir, de depoimentos considerados relevantes dos moradores e funcionários do cemitério local. A intensão de analisar como esta comunidade lida com esta representação da morte é uma hipótese cogitada por nós, pois estes moradores assistem aos velórios realizados quase que diariamente, uma vez que o necrotério fica anexo ao cemitério e ainda verificar como os mesmos trabalham a perda, pois as pessoas veladas não estarão mais fazendo parte da comunidade. O cemitério é a terra dos antepassados, local este onde o passado e presente se chocam, onde as memórias afloram e as lágrimas caem, sendo também um lugar de oração, de reflexão, e também um local de comunicação, pois é através das lápides que o morto, através dos vivos tem sua história seja contada.
O cemitério também é considerado uma comunidade, necessitando por isso ser organizada, limpa, ter moradores, quadra, números etc. Segundo Muniz, 2006 “a visita a um cemitério é como uma visita a um museu”, pois especifica muito sobre o social e o cultural de um determinado grupo. A história oral trás resíduos da cultura material e auxilia na compreensão e redefinição da história local, por este motivo a história oral de uma comunidade deve ser tratada com respeito, por ser “um relato vivo do passado” (Muniz, 2006). É esta historia oral que será resgatada quando nos propomos a ir em busca de confirmação (ou não) das hipóteses em considerar que, por existir um cemitério localizado no meio de uma comunidade, esta por sua vez, e através da história oral, nos irá relatar fatos que confirmem nossos questionamentos e curiosidades. Espera-se que esta comunidade, através de seus moradores mais antigos nos forneçam relatos de histórias sobrenaturais ligadas a este cemitério em específico, pois o mesmo esta a quase cem anos nesta localidade. Cultura e significado estão intrinsecamente atrelados às representações sociais. De uma maneira ou de outra, refletem ou interferem entre si, pois uma vez construída a representação tem seu significado, que acaba sendo reflexo direto das representações, refletindo-se em nossas experiências e também naquilo que somos, representando desta forma, nossa identidade também.
Por que estudar a morte e suas representações? Ao se trabalhar com a morte e suas representações, trabalha-se, sobretudo com a memória. Uma coisa é encarar a morte a partir do conceito freudiano de que o “objetivo derradeiro da vida é sua própria extinção” e outra é pensar a realidade de cada morte individual, pois é importante a compreensão de como o homem encara nos dias atuais, seu destino final. Nesta pesquisa pretende-se também fazer um levantamento dos símbolos que acompanham os túmulos, e lápides, pois segundo Muniz (2006), os símbolos “nos falam quem era o morto e onde e quanto tempo ele viveu e o que representava para aqueles que não morreram”. Finalizando observa-se também que a morte é considerada por diversos autores como sendo “irmã do sono” ou “filha da noite”, pois a morte é introdutória aos mundos desconhecidos do paraíso, do inferno e do purgatório. Por esta razão a morte não é um drama individual e unicamente pessoal, mas sim é ela, o drama de uma comunidade que, súbita ou lentamente vê um de seus membros deixar de desempenhar um papel social definido e que desempenhavam quando eram vivos.
Isso é constatado na comunidade que pesquisaremos, pois juntamente com a morte e o cemitério, vão e estão as pessoas que faziam parte da vida das pessoas e desta comunidade e que não mais estarão presentes. Estudar a morte, os mitos e as lendas, é conhecer a própria história do homem, pois eles são tão antigos quanto o mesmo. As crenças em torno da morte nos motivaram a pesquisar o tema numa comunidade próxima a um local de morte, ou seja, o cemitério. Escolhemos a comunidade do município de Biguaçu, por ter em sua via de acesso. Compreende-se que através do relato oral a história, as crenças, os mitos e lendas, a cultura de um povo possa se perpetuar. Diante e desta temática elencou-se como problema de pesquisa verificar qual a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério. O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério na perspectiva da comunidade e do coveiro e como objetivos específicos, identificar os mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério, compreender os processos de significação morte/vida desta comunidade.
Por comunidade segundo Thompson (1995, apud JOVCHELOVITCH, 2008) é identificada um conjunto de questões interligadas que subjuga a idéia tradicional de comunidade que era a idéia tradicional de comunidade que era definida como, “um espaço geográfico relativamente pequeno, onde as pessoas conhecem bem uma às outras e se sentem estreitamente relacionadas não apenas a outros seres humanos, mas também a uma paisagem, a uma geografia particular e a um ambiente natural”. As comunidades humanas sempre se encontraram com o outro, desenvolvendo estratégias de comunicação. O que hoje é trazido de novo é o passo rápido deste encontro. A globalização como um processo cultural e psicológico, propiciou a criação simultânea de novas comunidades como as virtuais e a reorganização de velhas comunidades, de identidades, e lugar. Estas transformações mais recentes colocam novas questões à vida em comunidades à sobrevivência da mesma.
É através das relações sociais entre os sujeitos que segundo Marins (1998, apud Sarriera, 2000) que a comunidade compartilha conhecimentos reproduzindo-os. “A relação entre Psicologia e Sociedade está fundamentada na questão ética colocando a identidade e a alteridade como principais figuras, sempre em harmonia com as necessidades sociais, as especificidades culturais e os direitos humanos gerando assim estudos a fim de recuperar sua autonomia e resgatar estes direitos com fins de integração social”. (HELLER, 1987 apud SAWAIA, p. 47). Como história oral compreende-se uma metodologia muito usada em pesquisas histórias e sociológicas. Surgida como forma de valorização das memórias e recordações de indivíduos, é um método de recolhimento de informações através de entrevistas com pessoas que vivenciaram algum fato ocorrido. Apesar de seu uso crescente, a sua credibilidade enquanto dado é questionada por parte de alguns acadêmicos: o entrevistado pode ter uma trilha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar, omitir ou mesmo mentir. Mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória", conseguiu-se estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais.
O que poderia ser percebido como um problema acaba se transformando em um recurso, uma vez que o próprio entrevistador, no ato de produção da narrativa histórica, não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido. Mesmo quando o pesquisador tenha certeza de que o entrevistado esteja mentido conscientemente, cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo.
No caso de esquecimento, para ajudar suprir essa falha, podem-se usar os chamados "apoios de memória", como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa .Outra forte crítica à fidedignidade das fontes orais é a que elas são carregadas de subjetividade. Essa subjetividade muitas vezes é percebida, mas é ela que muitas vezes faz a diferença, pois as fontes orais contam-nos não apenas o que um povo ou um indivíduo fez, mas também os seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou fizeram. A fonte oral geralmente vem a ser uma das únicas formas de registro e estudo de algumas sociedades ágrafas ou também de alguns setores marginalizados da sociedade, uma vez que as classes dominantes, detentoras do controle sobre a escrita, por isso deixam registros mais abundantes. Muitos pesquisadores ainda acreditam que documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais.
No ato de contar histórias, os saberes sociais ganham vida e com eles as representações do passado e as apresentações da identidade. Contando histórias a comunidade lembra o que aconteceu colocando a experiência em seqüência. O contar histórias evoca campos de realidades intersubjetivas; campos de conhecimento e de reconhecimento, interligando: passado, presente e futuro e a produção de mitos, lendas e contos respondem à necessidade ligada à origem do sujeito Bartlett (1992, apud JOVCHELOVITCH, 2008).
É apenas a experiência refletida e elaborada que pode nos transformar e recuperar a substância histórica. A habilidade de recordar como elaboração de trabalhar simbolicamente o passado que outrora existiu, permitindo às comunidades refletir sobre compreender, revisar e se necessário renovar suas identidades, práticas e histórias. A produção de mitos, lendas e contos, responde a necessidades ligadas a origem de cada um, como também a preceitos morais (quando nos ensinam o que fazer). São estas histórias contadas que interligam o passado, o presente e o futuro e por isso estão entrelaçadas a construção e continuidade das comunidades (JOVCHELOVITCH, 2008).
Como representação social poderia se dizer que o conceito nasceu de um contraste entre Durkhein e Weber, da luta entre uma perfeita teoria da conformidade social fornecida por Durkhein e uma teoria da inovação e da influência das minorias fornecida por Weber (MOSCOVICI, 1993 apud JOVCHELOVITCH, 2008). As representações sociais pertencem a uma cadeia de conceitos que se referem às crenças, sentimentos e idéias habituais e homogeneamente compartilhadas pela comunidade. Essas representações sociais “ podem ser definidas como enquadres para o pensamento e a ação, compartilhados de forma homogênea, por uma comunidade” compreendendo assim: “ ideações, emoções, rituais e os costumes que os indivíduos carregam e desempenham, mas sobre os quais tem pouco controle” (JOVCHELOVITCH, 2008).
Segundo Malrieu (apud LANE e GODO, 1997, p. 35), a representação social é construída através da comunicação, na qual o sujeito se põe à prova através de suas ações, “ o valor – vantagens e desvantagens – do posicionamento dos que se comunicam com ele, objetivando e selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma procura de personalização”. Nesse processo de comunicação o mundo vai se estruturando. A comunicação e a personalização determinam e são determinadas pelas representações sociais. Podem-se conhecer as representações sociais de uma comunidade através dos discursos individuais de cada ator social e é neste contexto que o mito se configura como uma representação social.
Com relação a representação da morte no imaginário social é como mesclar, o simbólico e o imaginário como fazendo parte da formação das relações e aparecem nas vivências das pessoas e grupos (Sarriera et al, 2000, p. 36). Bowlby (2002) diz que cada cultura tem sua própria forma de abordar a morte e é nessa diversidade que podemos aprender a reconhecer, respeitar e lidar com a morte através da perspectiva do outro. Na sociedade atual existem pessoas que crêem na representação da boa morte e da má morte. A boa morte é aquela sob a qual as pessoas têm algum controle, as múltiplas representações de que uma “boa morte” é uma morte preparada, controlada e anunciada, se for mediada por profissionais habilitados pode se transformar em um evento natural e aceito socialmente. A “má morte” representa o incontrolável, acontece no local e momento inoportunos e ainda pode ser recriminada pela sociedade.
Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e exploratória, que responde conforme Minayo (1994) a questões subjetivas e tem como foco as pessoas com suas crenças, significações e valores, em seu contexto e que fazem parte de determinada condição social. Utiliza-se este tipo de pesquisa quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo espaço para a interpretação. (NEVES, 1996). A pesquisa qualitativa é uma modalidade de pesquisa muito utilizada na psicologia, pois permite o estudo de conceitos subjetivos. Não se pretende fazer generalizações das informações, pois o caráter da mesma é exploratório.
Outro método que foram utilizado foi a entrevista aberta e semiestruturada. A entrevista foi utilizada como um recurso para a construção de vínculos com os entrevistados já que a mesma estabelece a relação social e permite a proximidade real com o tema pesquisado. A entrevista semiestruturada foi utilizada a fim de definir o roteiro temático e tem como vantagens possibilitar maior profundidade e verdade de temas complexos. (HAGUETE, 1999).
Serão estabelecidos dois roteiros contendo cinco a seis questões que norteiam o tema, podendo variar durante o processo da entrevista. O roteiro A, destina-se ao funcionário do cemitério e o roteiro B, destina-se aos moradores da comunidade. A população utilizada para a pesquisa reside na comunidade do município de Biguaçu-SC. Participarão da mesma quatro (4 ) moradores desta comunidade, e também o coveiro do referido cemitério. Os critérios utilizados para a inclusão dos sujeitos nesta pesquisa foram: a) Serem moradores da comunidade supracitada e b) Serem trabalhadores deste cemitério, no caso do administrador e dos coveiros. Outros instrumentos utilizados para coleta de dados serão as observações livres e diálogos estabelecidos com os sujeitos da pesquisam, gravador e diário de campo. A entrevista semiestruturada com questionário aberto também constará como instrumentos de coleta de dados.
A observação livre deu-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com o intuito de obter informações desejadas sobre a totalidade do contexto da realidade dos sujeitos pesquisados, em seus princípios e particularidades. (Cruz Neto, 1995).
A equipe que realizou este trabalho, desde o início esteve motivada para a pesquisa sendo que em todas as visitas à comunidade e entrevistas realizadas houve a participação de todos os membros da equipe. Seguiu-se um roteiro pré-elaborado para a conclusão com êxito desta pesquisa. No dia 18 de setembro de 2008, realizamos a visita exploratória à comunidade e ao cemitério.
Em visita ao cemitério, conversamos também com os coveiros que relataram gostar do trabalho que exercem e solicitamos a possibilidade de marcarmos entrevistas com cada um deles para nos relatarem de suas experiências e se lembravam de algumas estórias relacionadas a este cemitério em particular. Realizamos no dia 22 de setembro a visita à comunidade próxima a este cemitério. Percorremos algumas ruas, conversamos com alguns moradores e solicitamos a possibilidade de nos concederem uma entrevista com a comunidade e o cemitério. Fomos sempre recebidos com sorrisos e não com café, mesmo porque a hora que a gente foi já tinha passado do momento do café, apenas éramos convidados para o almoço. Umas das integrantes da equipe aceitou um convite e depois da aula almoçou na residência de uma das entrevistadas. Neste mesmo dia, esta acadêmica passou pelo cemitério para confirmação da entrevista com um dos coveiros para o dia 25 de setembro de 2008.
Na semana seguinte fomos ao cemitério e realizamos a primeira entrevista. Conseguimos, construir um rapport e a entrevista seguiu um bom andamento. O primeiro coveiro a ser entrevistado ficou feliz em nos conceder a entrevista e se emocionou quando nos relatou os rituais de velório e enterro de crianças e jovens. Logo após a entrevista, nos mostrou uma série de curiosidades a respeito de cemitério e fizemos um verdadeiro passeio por entre aquela comunidade de mortos. No início do mês de outubro aconteceu nossa segunda entrevista com outro funcionário do cemitério. Foi muito importante a fala deste funcionário, uma vez que o mesmo trabalhava na coleta de lixo e foi convidado para executar suas atividades no cemitério municipal. Segundo ele, passou alguns dias pensando para então dar a resposta definitiva se aceitaria o cargo ou não. O mesmo retatou que no início foi muito difícil e perdeu o número de vezes que foi embora no meio do expediente. Quando ocorria um enterro ou uma abertura de túmulo, ele não conseguia ficar. Ele conta que conversou com sua mãe que o aconselhou a se apegar a Deus que isso passava, pois nós “temos que ter medo é dos vivos e não dos mortos”. Seu medo somente passou quando ele teve que executar sozinho o trabalho, pois o outro funcionário não estava presente naquele dia. Deste dia em diante o medo passou e o mesmo faz todo o trabalho que antes temia.
A entrevista com o administrador do cemitério ocorreu no dia 09 de outubro. Referiu-se que aceitou o convite do prefeito em administrar este cemitério que estava bastante abandonada até então. Este administrador nos relatou que trabalha neste cemitério há oito anos e quando aceitou o convite sabia de trabalho que o esperava. O cemitério era completamente tomado pelo mato que dificultava até a visão dos túmulos. Foram retirados, mais de quatro caminhões de lixo. Hoje se sente satisfeito em olhar e perceber e receber os elogios de todos os freqüentadores com relação à limpeza e ordem quanto á apresentação do referido cemitério. Enfatiza-nos da não necessidade do trabalho de vigilância noturna, pois os guardas poderiam ser alvos de vandalismo e perseguições que poderiam prejudicar a vida destes trabalhadores. O furto dos vasos de alumínio, uma constante neste cemitério, pode ser entendido com sendo praticados à noite e por pessoas que os trocam ou vendem por preços irrisórios. As famílias ficam aborrecidas, pois são artigos de preço considerável.
As próximas entrevistas foram realizadas com duas moradoras muito amigas que uma resolveu visitar a outra na hora da entrevista o que acabou se tornando uma conversa muito agradável, porém, cada uma teve seu momento de responder as perguntas. A primeira entrevistada tem 73 anos e mora há 47 anos nesta comunidade e veio para cá para ficar mais perto da cidade, pois morava no interior do município. A mesma está em processo de elaboração de luto pois havia perdido uma neta em acidente de trânsito acerca de dois anos. Ao nos relatar sobre a perda, ela emocionou-se e até levou-nos para ver as fotos da neta que ainda permaneciam na residência. Para esta entrevistada, a morte é uma coisa natural, porém, não aceita esta morte quando acontece com pessoas jovens, como o ocorrido com sua neta. Para eata entrevistada, o choro é necessário para significar o quanto se está sentindo a perda da pessoa.
A entrevista seguinte foi com uma moradora, que possui 57 anos e mora nesta comunidade há 32 anos. Veio para esta comunidade, porque a família vendeu a antiga propriedade que ficava em outro bairro e o dinheiro só deu para comprar um terreno nesta comunidade. Para esta moradora, as pessoas não tem medo de passar pelo local do cemitério à noite. O único medo que as pessoas tem é de ladrão, pois o lugar fica um pouco deserto. Quanto a ter algum conhecimento sobre mitos e lendas, a mesma dia que nunca ouviu falar de nenhuma história envolvendo este cemitério, pois é muito limpo e organizado. Para esta entrevistada, um velório com poucas pessoas significa que esta pessoa era “pouco querida” da comunidade. Já um velório com bastante gente significa que a pessoa era “muito querida” pela comunidade e que irá deixar saudade. A moradora relata que um velório bom é aquele com muitas flores, velas e com uma missa para encomendar o corpo para um bom caminho. Já um velório sem velas, flores ou missa, parece que o morto não tem um bom encaminhamento. Esta entrevistada possui vários parentes enterrados neste cemitério e comenta sobre a importância do mesmo nesta comunidade pela praticidade em realizar visitas constantes mantendo com isso vínculos afetivos e, conseqüentemente, a maior dificuldade na elaboração dos lutos.
A entrevista seguinte aconteceu no dia 23 de outubro com outra moradora da localidade. A mesma tem 52 anos e que mora nesta comunidade há 38 anos para esta entrevista. Nossa entrevistada relata que sempre trabalhou fora para poder criar seus quatro filhos. Sempre gostou de cozinhar e hoje está na perícia por conta de uma inflamação em articulações em membros superiores. A moradora relata que seu marido já possuía o terreno antes de casar e por isso construiu sua casa neste local e mora até hoje. Se dá bem com todos os visinhos e não pretende se mudar. “Só sairá dali para o cemitério”. Como sempre esteve fora de casa nunca soube de nenhuma história envolvendo o cemitério local. Segundo a mesma, estas histórias não acontecem porque o povo também não acredita que elas possam existir.
A mesma informa que “sempre teve muito medo de pessoa morta”, porém, fez uma simpatia ensinada por outra pessoa, que era “colocar a mão em uma pessoa morta”. Assim ela fez e até hoje o “medo de morto passou”. Não aceita a idéia de que outras doutrinas relatem a morte como uma coisa natural, por não chorarem e nem colocarem velas ou flores. Para os evangélicos, segundo a mesma, a morte é tida como o fim de tudo e isso ela não concorda. Tem certas doutrinas que não visitam seus mortos e isso ela não entende muito o porque deste não gesto com os entes queridos que se foram. Quanto ao trabalho dos coveiros esta moradora reconhece ser um trabalho de muita importância, uma vez que não é qualquer pessoa que pode executar esta tarefa. Além de todo trabalho braçal executado pelos funcionários, existe também um trabalho de apoio às famílias e o cuidado com o morto e com os restos mortais de quem estava enterrado anteriormente. Para esta moradora, o lugar mais tranqüilo da comunidade é, sem dúvida a instituição cemitério.
A última entrevista foi realizada no dia 30 de outubro com um morador. O mesmo desconhece qualquer história sobrenatural relacionada ao cemitério local e que mora há mais de 30 anos na localidade. Relata também da importância do cemitério enquanto de utilidade pública e o quanto o mesmo é importante para esta comunidade que não precisa se deslocar para outras localidades para enterrar seus mortos. Este morador em especial foi importante para o grupo no sentido do mesmo estar em tratamento psiquiátrico e psicológico em virtude de sintomas de síndrome do pânico e depressão. Relatou-nos da importância do profissional psicólogo em seu restabelecimento e o quanto foi importante o trabalho em conjunto ou seja, medicamentoso e psicoterápico. Voltamos fortalecidos pelas palavras deste morador que mais uma vez nos mostrou que estamos no caminho certo na escolha da profissão. Ficamos angustiados e frustrados em muitos momentos quando perguntávamos sobre as questões sobrenaturais e eles nos respondiam unanimemente que elas não existiam. Mas com certeza este foi um dos trabalhos acadêmicos mais gratificantes de nossa formação. Abaixo se mostra os quadros com os resultados das entrevistas, sendo que a figura 1 apresenta os resultados das entrevistas com os funcionários do cemitério e a figura 2 trata dos resultados das entrevistas com os moradores:
Figura 1: Respostas dos funcionários
Perguntas |
respostas
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funcionario J. |
Funcionário S. |
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1- O que o levou a escolher trabalhar no cemitério?
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Desemprego |
Transferência de posto |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Sim. Mulher de branco que desapareceu (ouviu) |
Não. Só os roubos. |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Evangélicos |
Evangélicos |
4- Qual o tipo de morte que mais lhe sensibiliza?
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Criança/jovem |
Criança |
5- O que significa a morte para você?
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Iguala os homens |
Não é o fim |
Figura 2: Respostas dos moradores
Perguntas |
respostas
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morador M. |
morador L. |
morador G. |
morador A. |
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1- O que o levou a escolher morar nesta comunidade?
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Proximidade de recursos |
Mudança |
Casamento |
Identificação |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Somente roubos |
Não |
Não. É invenção das pessoas |
Não |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Onde não há choro |
Aqueles que não usam vela, flores, missa, com pouca gente |
Evangélico. Acham muito natural |
Não vou a velórios |
4- Qual a importância do coveiro no cemitério?
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Muito grande. |
Cuida do local, da família e do morto |
É mais que um profissional. Tem muitas habilidades sociais |
Necessário |
5- O que significa a morte para você?
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Natural da vida |
Perda |
Descanso. Sono do qual não se acorda |
Passagem |
Mitos e lendas urbanas
Atualmente, os mortos não são mais enterrados “sob sete palmos de terra”, agora são construídas “carneiras” onde os caixões são depositados e vedados com cimento para evitar-se o espalhamento do “churume” ao lençol freático. Apesar de não haver mitos a respeitos do cemitério desta comunidade, a comunidade é transpassada por vários mitos e lendas sobre a morte. Apesar de ser um conceito não definido de modo preciso e unânime, os mitos constituem uma realidade antropológica fundamental, pois eles não só representam uma explicação sobre as origens do homem e do mundo em que se vive como traduzido por símbolos, ricos de significados, o modo como um povo ou uma civilização entende e interpreta a existência. Segundo, Eliade (apud FRAGOSO, 2008), “o mito é uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural”.
Observa-se que o místico ocupa lugar importante na construção da identidade social dos moradores desta comunidade. Nos velórios, enterros e devoção com seus mortos percebem-se o lugar das religiões, dos rituais, das flores, das velas, das moedas e da saída de costas do cemitério, o banho, o calçar a meia no morto, o respeito ao morto. É possível dizer para Harfuch (2005) que “ dentro dos cemitérios públicos da cidade ocorre a manifestação de uma posição religiosa e em alguns casos misturando em seus jazigos, elementos das mais diversas religiões, sem estarem necessariamente negando sua fé ou sendo incoerentes em suas convicções”.
o CEMITÉRIO enquanto lugar de memÓria e identidade
Há uma narrativa social da identidade do sujeito morto através dos símbolos que são colocados na sepultura, sendo esta a comunicação do morto com o vivo, através do desejo do morto ou pela ótica de quem não morreu. Através dos símbolos é visualizado à própria história de vida do morto. O apego a bens materiais, a profissão, a vocação, a vida de luxo representada nas ostentações, a vida afetiva e muito mais, estes símbolos dão à sepultura uma linguagem simbólica para quem a visita. Por este motivo, alguns autores como Godoi (2005) relatam que visitar um cemitério é como visitar um museu.
Sendo a morte ainda uma tabu, onde as pessoas procuram manter-se distantes dela, e têm grande dificuldade de aceitá-la, pode-se entender a construção de túmulos, acender velas, colocar imagens, lápides, estimular a lembrança, recordar o morto em vida é resgatar a vivência dos indivíduos que lá habitam e do universo que os cerca. Cada túmulo possui os registros de um ser e este possui sua história que deseja ser contada. É uma forma de as pessoas manterem o vinculo afetivo com quem já não vive mais entre eles. Torna-se um espaço que nos une em grande medida ao passado, o cemitério. Nos túmulos, nas inscrições das lápides, as datas de nascimento: testemunhos mudos, elogios fúnebres de diferentes viver, que falam do passado, um espetáculo confortante de memória, um espaço de se manter viva a esperança em memória os entes queridos. Finalizamos dizendo que a morte e o lidar com o morto, não são atos individuais e sim acontecimentos de práticas racionais, intrinsecamente relacionado com a memória e com a comunicação com os mortos, mantendo seu vinculo afetivo. Reconhecemos na morte, uma eficácia ritual. Ao olharmos nos cemitérios “[...] veremos a quantidade de ritos mágicos de que ele é objeto”. (RODRIGUES, 1975). Entre estes rituais, temos o próprio velório com suas representações.
O que de fato ocorre quanto da visualização do número de pessoas presentes ou não a um ritual de velório? O que se constatou pela história oral desta comunidade é que se numa velação ao morto o número de pessoas presentes representam o quanto esta pessoa é boa ou não; o que ela representou para a comunidade e para família. O velório bem assistido é o da pessoa tida como “boa”, com grande presença de membros da comunidade; já o velório que há pouca participação é o da pessoa que não é bem vista pela comunidade.
Considerações finais
Pelo fato deste cemitério permear a principal via de acesso à comunidade, a hipótese era de que este, estaria repleto de mitos e lendas urbanas. As hipóteses que consideradas relevantes, após a pesquisa de campo não se concretizaram, pelo contrário, a comunidade lida muito bem com a instituição cemitério, uma vez que reconhecem a importância do mesmo, como sendo de “utilidade pública”. A nuance que nos permeava, de uma crença em assombração e acontecimentos sobrenaturais, contrastou com a tranqüilidade e a paz que este cemitério representa para a comunidade. Verifica-se que a comunidade é produtora de conhecimentos a respeito da morte e reproduz este conhecimento através da história oral. A localização do cemitério nesta comunidade facilita o transporte, o velório e o enterro do morto, pois tudo é muito próximo. Esta proximidade com o cemitério foi relatada pelos moradores como um facilitador para a visitação aos entes falecidos mantendo com isso ainda um grande vínculo afetivo, dificultando o processo de elaboração do luto.
Observa-se a importância atribuída aos funcionários do cemitério pelas pessoas entrevistadas na comunidade. Todos os pesquisados falaram da importância deste profissional, pois os mesmos chegam a ficar depois do horário de trabalho, caso tenha um enterro após este. São comuns os relatos do conforto dado aos familiares enlutados por estes profissionais e dos cuidados dispensados aos mortos e aos ossos dos familiares que foram desenterrados para ceder lugar ao novo morto, pois os ossos são colocados num saco plástico, ficando ao lado do caixão do morto que acabou de ser enterrado. Não é a intenção deste trabalho generalizar os resultados, pois não foi realizado um estudo comparativo em outra comunidade que não tenha um cemitério lhe permeando, pensa-se, porém que talvez a não existência do cemitério nesta comunidade traria mitos e lendas sobre o mesmo, porém, é apenas mais uma hipótese. Pretendeu-se, com este trabalho, fazer algumas considerações e sugestões, uma vez que abrange algumas áreas da Psicologia como, Organizacional, Educacional, Social e Comunitária sendo: Quanto aos funcionários do cemitério o que pôde ser observado é que, são contratados através de concurso público para a vaga de Auxiliar de Serviços Gerais, mas além do profissional ter de entender dos serviços que presta à instituição tais como: manutenção dos túmulos, construção das carneiras; este lida com a morte diariamente, seja enterrando ou desenterrando corpos e ainda é esperado dele um comportamento de atenção à família do morto e ao morto também.
Vemos como importante a elaboração de um documento no qual se descreva as habilidades necessárias para este profissional assumir o cargo propondo a criação da profissão de “coveiro”, pois no edital do concurso, só consta a função de “Auxiliar de Serviços Gerais”, bem como fazer acompanhamento psicológico regular dos profissionais dos cemitérios do município. Pensa-se-se que este profissional possa ser um acadêmico de psicologia, abrindo com isso, campo de estágio em Psicologia Clínica, Organizacional e Educacional.
REFERÊNCIAS
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Cruz Neto, O. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: Minayo MCS (Org.) 1995. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 4. ed. Petrópolis: Vozes.
FRAGOSO, Vitor. O Mito, uma necessidade do homem? Portal Philosofia.Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Antropologia Sociocultural do 2º ano de Psicologia do Instituto Superior da Maia-Portugal Disponível em <https:// www.portalphilosophia.org >. Acesso em 09 Nov 2008.
GODO, Wanderley; LANE, Silvia T. Maurer (Org.). Psicologia social: o homem em movimento. 13.ed. Sao Paulo: Brasiliense, 1999. 220p
GODOI, Adolfo Felix. Turismo em cemitérios. Revista de Estudos Turísticos. Ed. 11. nov. 2005. Disponível em https://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?IDConteudo=928 - 34k. Acesso em 09 Nov. 2008.
HAGUETE, M. T. F. Metodologias Qualitativas na Sociologia. Petrópolis: Vozes, 1999.
Harfuch, Lívia. Uma análise da cultura material: sepulturas de israelitas em cemitérios não judaicos na cidade de Rolândia – PR, de 1930 – 2005. Associação Nacional de História – ANPUH. XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em <https://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Livia%20Harfuch.pd>. Acesso em 11 nov. 2008.
JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura/ Sandra Jovchelovitch: Tradução de Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ. Vozes, 2008.
MINAYO, M. C. S. (org). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis, Vozes. 1994.
MUNIZ, Paulo Henrique. In: O estudo da morte e suas representações socioculturais, simbólicas e espaciais. Revista Varia Scientia, v. 06, n. 12, p. 159-169. Dez/2006. Disponível em < https://e-revista.unioeste.br/index.php/variascientia >. Acesso em 09 out 2008.
NEVES, L. J. Pesquisa qualitativa-características, usos e possibilidades. Caderno de pesquisas em administração. São Paulo, V.1, n 3, 2º sem/1996. Disponível em < https://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf >. Acesso em 12 out 2008.
RODRIGUES, José Carlos. O tabu do corpo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Achiamé, 1975. XII. 174 p. – (Série Universidade. Antropologia Social; 2).
Sarriera, Jorge Castellá. Psicología comunitária – estudos sociais. Porto Alegre: Sulina 2000. 202 p.
SAWAIA, B. B. Comunidade: A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade. In Campos, Regina Helena de Freitas (org.). Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. – Petrópolis, Rj: Vozes, 1996.
WIKIPÉDIA, A enciclopédia livre. História oral. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=História_Oral > Acesso em 09 de outubro de 2008.
*Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC- Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Psicopedagoga pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL e Neuropsicopedagoga (Em Formação) pela Faculdade Porto das Águas – FAPAG. Capacitação em Saúde Baseada em Evidências (Em formação), pelo Hospital Sírio Libanês. Desenvolvendo atividades junto a Secretaria de Estado da Saúde – SEA de Florianópolis desde 1990 e no Instituto de Aperfeiçoamento Executivo Nacional – IAPEN - Nas áreas de Desenvolvimento de Pessoas, Preparação para Aposentadoria, Relacionamento Interpessoal, Ética profissional, Trabalho de/em Equipe, Biossegurança, Emoções no Trabalho, Distúrbios e Transtornos de Aprendizagem e Gênero, Habilidades Sociais e Sexualidade. Atendendo em Clínica Particular.
Contatos: Email: janetepsicologa@live.com
a representação da morte E O mito do cemitéiro em comunidade do município de biguaçu-SC: relato de experiência
Janete Leony Vitorino*
A constatação de que a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em adiá-la cada vez mais e, levando-se em conta a ajuda dinâmica da sociedade capitalista, que entende o morto como um ser improdutivo pretende-se a partir deste movimento visualizar nesta comunidade a significação da morte a partir, de depoimentos considerados relevantes dos moradores e funcionários do cemitério local. A intensão de analisar como esta comunidade lida com esta representação da morte é uma hipótese cogitada por nós, pois estes moradores assistem aos velórios realizados quase que diariamente, uma vez que o necrotério fica anexo ao cemitério e ainda verificar como os mesmos trabalham a perda, pois as pessoas veladas não estarão mais fazendo parte da comunidade. O cemitério é a terra dos antepassados, local este onde o passado e presente se chocam, onde as memórias afloram e as lágrimas caem, sendo também um lugar de oração, de reflexão, e também um local de comunicação, pois é através das lápides que o morto, através dos vivos tem sua história seja contada.
O cemitério também é considerado uma comunidade, necessitando por isso ser organizada, limpa, ter moradores, quadra, números etc. Segundo Muniz, 2006 “a visita a um cemitério é como uma visita a um museu”, pois especifica muito sobre o social e o cultural de um determinado grupo. A história oral trás resíduos da cultura material e auxilia na compreensão e redefinição da história local, por este motivo a história oral de uma comunidade deve ser tratada com respeito, por ser “um relato vivo do passado” (Muniz, 2006). É esta historia oral que será resgatada quando nos propomos a ir em busca de confirmação (ou não) das hipóteses em considerar que, por existir um cemitério localizado no meio de uma comunidade, esta por sua vez, e através da história oral, nos irá relatar fatos que confirmem nossos questionamentos e curiosidades. Espera-se que esta comunidade, através de seus moradores mais antigos nos forneçam relatos de histórias sobrenaturais ligadas a este cemitério em específico, pois o mesmo esta a quase cem anos nesta localidade. Cultura e significado estão intrinsecamente atrelados às representações sociais. De uma maneira ou de outra, refletem ou interferem entre si, pois uma vez construída a representação tem seu significado, que acaba sendo reflexo direto das representações, refletindo-se em nossas experiências e também naquilo que somos, representando desta forma, nossa identidade também.
Por que estudar a morte e suas representações? Ao se trabalhar com a morte e suas representações, trabalha-se, sobretudo com a memória. Uma coisa é encarar a morte a partir do conceito freudiano de que o “objetivo derradeiro da vida é sua própria extinção” e outra é pensar a realidade de cada morte individual, pois é importante a compreensão de como o homem encara nos dias atuais, seu destino final. Nesta pesquisa pretende-se também fazer um levantamento dos símbolos que acompanham os túmulos, e lápides, pois segundo Muniz (2006), os símbolos “nos falam quem era o morto e onde e quanto tempo ele viveu e o que representava para aqueles que não morreram”. Finalizando observa-se também que a morte é considerada por diversos autores como sendo “irmã do sono” ou “filha da noite”, pois a morte é introdutória aos mundos desconhecidos do paraíso, do inferno e do purgatório. Por esta razão a morte não é um drama individual e unicamente pessoal, mas sim é ela, o drama de uma comunidade que, súbita ou lentamente vê um de seus membros deixar de desempenhar um papel social definido e que desempenhavam quando eram vivos.
Isso é constatado na comunidade que pesquisaremos, pois juntamente com a morte e o cemitério, vão e estão as pessoas que faziam parte da vida das pessoas e desta comunidade e que não mais estarão presentes. Estudar a morte, os mitos e as lendas, é conhecer a própria história do homem, pois eles são tão antigos quanto o mesmo. As crenças em torno da morte nos motivaram a pesquisar o tema numa comunidade próxima a um local de morte, ou seja, o cemitério. Escolhemos a comunidade do município de Biguaçu, por ter em sua via de acesso. Compreende-se que através do relato oral a história, as crenças, os mitos e lendas, a cultura de um povo possa se perpetuar. Diante e desta temática elencou-se como problema de pesquisa verificar qual a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério. O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério na perspectiva da comunidade e do coveiro e como objetivos específicos, identificar os mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério, compreender os processos de significação morte/vida desta comunidade.
Por comunidade segundo Thompson (1995, apud JOVCHELOVITCH, 2008) é identificada um conjunto de questões interligadas que subjuga a idéia tradicional de comunidade que era a idéia tradicional de comunidade que era definida como, “um espaço geográfico relativamente pequeno, onde as pessoas conhecem bem uma às outras e se sentem estreitamente relacionadas não apenas a outros seres humanos, mas também a uma paisagem, a uma geografia particular e a um ambiente natural”. As comunidades humanas sempre se encontraram com o outro, desenvolvendo estratégias de comunicação. O que hoje é trazido de novo é o passo rápido deste encontro. A globalização como um processo cultural e psicológico, propiciou a criação simultânea de novas comunidades como as virtuais e a reorganização de velhas comunidades, de identidades, e lugar. Estas transformações mais recentes colocam novas questões à vida em comunidades à sobrevivência da mesma.
É através das relações sociais entre os sujeitos que segundo Marins (1998, apud Sarriera, 2000) que a comunidade compartilha conhecimentos reproduzindo-os. “A relação entre Psicologia e Sociedade está fundamentada na questão ética colocando a identidade e a alteridade como principais figuras, sempre em harmonia com as necessidades sociais, as especificidades culturais e os direitos humanos gerando assim estudos a fim de recuperar sua autonomia e resgatar estes direitos com fins de integração social”. (HELLER, 1987 apud SAWAIA, p. 47). Como história oral compreende-se uma metodologia muito usada em pesquisas histórias e sociológicas. Surgida como forma de valorização das memórias e recordações de indivíduos, é um método de recolhimento de informações através de entrevistas com pessoas que vivenciaram algum fato ocorrido. Apesar de seu uso crescente, a sua credibilidade enquanto dado é questionada por parte de alguns acadêmicos: o entrevistado pode ter uma trilha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar, omitir ou mesmo mentir. Mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória", conseguiu-se estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais.
O que poderia ser percebido como um problema acaba se transformando em um recurso, uma vez que o próprio entrevistador, no ato de produção da narrativa histórica, não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido. Mesmo quando o pesquisador tenha certeza de que o entrevistado esteja mentido conscientemente, cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo.
No caso de esquecimento, para ajudar suprir essa falha, podem-se usar os chamados "apoios de memória", como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa .Outra forte crítica à fidedignidade das fontes orais é a que elas são carregadas de subjetividade. Essa subjetividade muitas vezes é percebida, mas é ela que muitas vezes faz a diferença, pois as fontes orais contam-nos não apenas o que um povo ou um indivíduo fez, mas também os seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou fizeram. A fonte oral geralmente vem a ser uma das únicas formas de registro e estudo de algumas sociedades ágrafas ou também de alguns setores marginalizados da sociedade, uma vez que as classes dominantes, detentoras do controle sobre a escrita, por isso deixam registros mais abundantes. Muitos pesquisadores ainda acreditam que documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais.
No ato de contar histórias, os saberes sociais ganham vida e com eles as representações do passado e as apresentações da identidade. Contando histórias a comunidade lembra o que aconteceu colocando a experiência em seqüência. O contar histórias evoca campos de realidades intersubjetivas; campos de conhecimento e de reconhecimento, interligando: passado, presente e futuro e a produção de mitos, lendas e contos respondem à necessidade ligada à origem do sujeito Bartlett (1992, apud JOVCHELOVITCH, 2008).
É apenas a experiência refletida e elaborada que pode nos transformar e recuperar a substância histórica. A habilidade de recordar como elaboração de trabalhar simbolicamente o passado que outrora existiu, permitindo às comunidades refletir sobre compreender, revisar e se necessário renovar suas identidades, práticas e histórias. A produção de mitos, lendas e contos, responde a necessidades ligadas a origem de cada um, como também a preceitos morais (quando nos ensinam o que fazer). São estas histórias contadas que interligam o passado, o presente e o futuro e por isso estão entrelaçadas a construção e continuidade das comunidades (JOVCHELOVITCH, 2008).
Como representação social poderia se dizer que o conceito nasceu de um contraste entre Durkhein e Weber, da luta entre uma perfeita teoria da conformidade social fornecida por Durkhein e uma teoria da inovação e da influência das minorias fornecida por Weber (MOSCOVICI, 1993 apud JOVCHELOVITCH, 2008). As representações sociais pertencem a uma cadeia de conceitos que se referem às crenças, sentimentos e idéias habituais e homogeneamente compartilhadas pela comunidade. Essas representações sociais “ podem ser definidas como enquadres para o pensamento e a ação, compartilhados de forma homogênea, por uma comunidade” compreendendo assim: “ ideações, emoções, rituais e os costumes que os indivíduos carregam e desempenham, mas sobre os quais tem pouco controle” (JOVCHELOVITCH, 2008).
Segundo Malrieu (apud LANE e GODO, 1997, p. 35), a representação social é construída através da comunicação, na qual o sujeito se põe à prova através de suas ações, “ o valor – vantagens e desvantagens – do posicionamento dos que se comunicam com ele, objetivando e selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma procura de personalização”. Nesse processo de comunicação o mundo vai se estruturando. A comunicação e a personalização determinam e são determinadas pelas representações sociais. Podem-se conhecer as representações sociais de uma comunidade através dos discursos individuais de cada ator social e é neste contexto que o mito se configura como uma representação social.
Com relação a representação da morte no imaginário social é como mesclar, o simbólico e o imaginário como fazendo parte da formação das relações e aparecem nas vivências das pessoas e grupos (Sarriera et al, 2000, p. 36). Bowlby (2002) diz que cada cultura tem sua própria forma de abordar a morte e é nessa diversidade que podemos aprender a reconhecer, respeitar e lidar com a morte através da perspectiva do outro. Na sociedade atual existem pessoas que crêem na representação da boa morte e da má morte. A boa morte é aquela sob a qual as pessoas têm algum controle, as múltiplas representações de que uma “boa morte” é uma morte preparada, controlada e anunciada, se for mediada por profissionais habilitados pode se transformar em um evento natural e aceito socialmente. A “má morte” representa o incontrolável, acontece no local e momento inoportunos e ainda pode ser recriminada pela sociedade.
Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e exploratória, que responde conforme Minayo (1994) a questões subjetivas e tem como foco as pessoas com suas crenças, significações e valores, em seu contexto e que fazem parte de determinada condição social. Utiliza-se este tipo de pesquisa quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo espaço para a interpretação. (NEVES, 1996). A pesquisa qualitativa é uma modalidade de pesquisa muito utilizada na psicologia, pois permite o estudo de conceitos subjetivos. Não se pretende fazer generalizações das informações, pois o caráter da mesma é exploratório.
Outro método que foram utilizado foi a entrevista aberta e semiestruturada. A entrevista foi utilizada como um recurso para a construção de vínculos com os entrevistados já que a mesma estabelece a relação social e permite a proximidade real com o tema pesquisado. A entrevista semiestruturada foi utilizada a fim de definir o roteiro temático e tem como vantagens possibilitar maior profundidade e verdade de temas complexos. (HAGUETE, 1999).
Serão estabelecidos dois roteiros contendo cinco a seis questões que norteiam o tema, podendo variar durante o processo da entrevista. O roteiro A, destina-se ao funcionário do cemitério e o roteiro B, destina-se aos moradores da comunidade. A população utilizada para a pesquisa reside na comunidade do município de Biguaçu-SC. Participarão da mesma quatro (4 ) moradores desta comunidade, e também o coveiro do referido cemitério. Os critérios utilizados para a inclusão dos sujeitos nesta pesquisa foram: a) Serem moradores da comunidade supracitada e b) Serem trabalhadores deste cemitério, no caso do administrador e dos coveiros. Outros instrumentos utilizados para coleta de dados serão as observações livres e diálogos estabelecidos com os sujeitos da pesquisam, gravador e diário de campo. A entrevista semiestruturada com questionário aberto também constará como instrumentos de coleta de dados.
A observação livre deu-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com o intuito de obter informações desejadas sobre a totalidade do contexto da realidade dos sujeitos pesquisados, em seus princípios e particularidades. (Cruz Neto, 1995).
A equipe que realizou este trabalho, desde o início esteve motivada para a pesquisa sendo que em todas as visitas à comunidade e entrevistas realizadas houve a participação de todos os membros da equipe. Seguiu-se um roteiro pré-elaborado para a conclusão com êxito desta pesquisa. No dia 18 de setembro de 2008, realizamos a visita exploratória à comunidade e ao cemitério.
Em visita ao cemitério, conversamos também com os coveiros que relataram gostar do trabalho que exercem e solicitamos a possibilidade de marcarmos entrevistas com cada um deles para nos relatarem de suas experiências e se lembravam de algumas estórias relacionadas a este cemitério em particular. Realizamos no dia 22 de setembro a visita à comunidade próxima a este cemitério. Percorremos algumas ruas, conversamos com alguns moradores e solicitamos a possibilidade de nos concederem uma entrevista com a comunidade e o cemitério. Fomos sempre recebidos com sorrisos e não com café, mesmo porque a hora que a gente foi já tinha passado do momento do café, apenas éramos convidados para o almoço. Umas das integrantes da equipe aceitou um convite e depois da aula almoçou na residência de uma das entrevistadas. Neste mesmo dia, esta acadêmica passou pelo cemitério para confirmação da entrevista com um dos coveiros para o dia 25 de setembro de 2008.
Na semana seguinte fomos ao cemitério e realizamos a primeira entrevista. Conseguimos, construir um rapport e a entrevista seguiu um bom andamento. O primeiro coveiro a ser entrevistado ficou feliz em nos conceder a entrevista e se emocionou quando nos relatou os rituais de velório e enterro de crianças e jovens. Logo após a entrevista, nos mostrou uma série de curiosidades a respeito de cemitério e fizemos um verdadeiro passeio por entre aquela comunidade de mortos. No início do mês de outubro aconteceu nossa segunda entrevista com outro funcionário do cemitério. Foi muito importante a fala deste funcionário, uma vez que o mesmo trabalhava na coleta de lixo e foi convidado para executar suas atividades no cemitério municipal. Segundo ele, passou alguns dias pensando para então dar a resposta definitiva se aceitaria o cargo ou não. O mesmo retatou que no início foi muito difícil e perdeu o número de vezes que foi embora no meio do expediente. Quando ocorria um enterro ou uma abertura de túmulo, ele não conseguia ficar. Ele conta que conversou com sua mãe que o aconselhou a se apegar a Deus que isso passava, pois nós “temos que ter medo é dos vivos e não dos mortos”. Seu medo somente passou quando ele teve que executar sozinho o trabalho, pois o outro funcionário não estava presente naquele dia. Deste dia em diante o medo passou e o mesmo faz todo o trabalho que antes temia.
A entrevista com o administrador do cemitério ocorreu no dia 09 de outubro. Referiu-se que aceitou o convite do prefeito em administrar este cemitério que estava bastante abandonada até então. Este administrador nos relatou que trabalha neste cemitério há oito anos e quando aceitou o convite sabia de trabalho que o esperava. O cemitério era completamente tomado pelo mato que dificultava até a visão dos túmulos. Foram retirados, mais de quatro caminhões de lixo. Hoje se sente satisfeito em olhar e perceber e receber os elogios de todos os freqüentadores com relação à limpeza e ordem quanto á apresentação do referido cemitério. Enfatiza-nos da não necessidade do trabalho de vigilância noturna, pois os guardas poderiam ser alvos de vandalismo e perseguições que poderiam prejudicar a vida destes trabalhadores. O furto dos vasos de alumínio, uma constante neste cemitério, pode ser entendido com sendo praticados à noite e por pessoas que os trocam ou vendem por preços irrisórios. As famílias ficam aborrecidas, pois são artigos de preço considerável.
As próximas entrevistas foram realizadas com duas moradoras muito amigas que uma resolveu visitar a outra na hora da entrevista o que acabou se tornando uma conversa muito agradável, porém, cada uma teve seu momento de responder as perguntas. A primeira entrevistada tem 73 anos e mora há 47 anos nesta comunidade e veio para cá para ficar mais perto da cidade, pois morava no interior do município. A mesma está em processo de elaboração de luto pois havia perdido uma neta em acidente de trânsito acerca de dois anos. Ao nos relatar sobre a perda, ela emocionou-se e até levou-nos para ver as fotos da neta que ainda permaneciam na residência. Para esta entrevistada, a morte é uma coisa natural, porém, não aceita esta morte quando acontece com pessoas jovens, como o ocorrido com sua neta. Para eata entrevistada, o choro é necessário para significar o quanto se está sentindo a perda da pessoa.
A entrevista seguinte foi com uma moradora, que possui 57 anos e mora nesta comunidade há 32 anos. Veio para esta comunidade, porque a família vendeu a antiga propriedade que ficava em outro bairro e o dinheiro só deu para comprar um terreno nesta comunidade. Para esta moradora, as pessoas não tem medo de passar pelo local do cemitério à noite. O único medo que as pessoas tem é de ladrão, pois o lugar fica um pouco deserto. Quanto a ter algum conhecimento sobre mitos e lendas, a mesma dia que nunca ouviu falar de nenhuma história envolvendo este cemitério, pois é muito limpo e organizado. Para esta entrevistada, um velório com poucas pessoas significa que esta pessoa era “pouco querida” da comunidade. Já um velório com bastante gente significa que a pessoa era “muito querida” pela comunidade e que irá deixar saudade. A moradora relata que um velório bom é aquele com muitas flores, velas e com uma missa para encomendar o corpo para um bom caminho. Já um velório sem velas, flores ou missa, parece que o morto não tem um bom encaminhamento. Esta entrevistada possui vários parentes enterrados neste cemitério e comenta sobre a importância do mesmo nesta comunidade pela praticidade em realizar visitas constantes mantendo com isso vínculos afetivos e, conseqüentemente, a maior dificuldade na elaboração dos lutos.
A entrevista seguinte aconteceu no dia 23 de outubro com outra moradora da localidade. A mesma tem 52 anos e que mora nesta comunidade há 38 anos para esta entrevista. Nossa entrevistada relata que sempre trabalhou fora para poder criar seus quatro filhos. Sempre gostou de cozinhar e hoje está na perícia por conta de uma inflamação em articulações em membros superiores. A moradora relata que seu marido já possuía o terreno antes de casar e por isso construiu sua casa neste local e mora até hoje. Se dá bem com todos os visinhos e não pretende se mudar. “Só sairá dali para o cemitério”. Como sempre esteve fora de casa nunca soube de nenhuma história envolvendo o cemitério local. Segundo a mesma, estas histórias não acontecem porque o povo também não acredita que elas possam existir.
A mesma informa que “sempre teve muito medo de pessoa morta”, porém, fez uma simpatia ensinada por outra pessoa, que era “colocar a mão em uma pessoa morta”. Assim ela fez e até hoje o “medo de morto passou”. Não aceita a idéia de que outras doutrinas relatem a morte como uma coisa natural, por não chorarem e nem colocarem velas ou flores. Para os evangélicos, segundo a mesma, a morte é tida como o fim de tudo e isso ela não concorda. Tem certas doutrinas que não visitam seus mortos e isso ela não entende muito o porque deste não gesto com os entes queridos que se foram. Quanto ao trabalho dos coveiros esta moradora reconhece ser um trabalho de muita importância, uma vez que não é qualquer pessoa que pode executar esta tarefa. Além de todo trabalho braçal executado pelos funcionários, existe também um trabalho de apoio às famílias e o cuidado com o morto e com os restos mortais de quem estava enterrado anteriormente. Para esta moradora, o lugar mais tranqüilo da comunidade é, sem dúvida a instituição cemitério.
A última entrevista foi realizada no dia 30 de outubro com um morador. O mesmo desconhece qualquer história sobrenatural relacionada ao cemitério local e que mora há mais de 30 anos na localidade. Relata também da importância do cemitério enquanto de utilidade pública e o quanto o mesmo é importante para esta comunidade que não precisa se deslocar para outras localidades para enterrar seus mortos. Este morador em especial foi importante para o grupo no sentido do mesmo estar em tratamento psiquiátrico e psicológico em virtude de sintomas de síndrome do pânico e depressão. Relatou-nos da importância do profissional psicólogo em seu restabelecimento e o quanto foi importante o trabalho em conjunto ou seja, medicamentoso e psicoterápico. Voltamos fortalecidos pelas palavras deste morador que mais uma vez nos mostrou que estamos no caminho certo na escolha da profissão. Ficamos angustiados e frustrados em muitos momentos quando perguntávamos sobre as questões sobrenaturais e eles nos respondiam unanimemente que elas não existiam. Mas com certeza este foi um dos trabalhos acadêmicos mais gratificantes de nossa formação. Abaixo se mostra os quadros com os resultados das entrevistas, sendo que a figura 1 apresenta os resultados das entrevistas com os funcionários do cemitério e a figura 2 trata dos resultados das entrevistas com os moradores:
Figura 1: Respostas dos funcionários
Perguntas |
respostas
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funcionario J. |
Funcionário S. |
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1- O que o levou a escolher trabalhar no cemitério?
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Desemprego |
Transferência de posto |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Sim. Mulher de branco que desapareceu (ouviu) |
Não. Só os roubos. |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Evangélicos |
Evangélicos |
4- Qual o tipo de morte que mais lhe sensibiliza?
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Criança/jovem |
Criança |
5- O que significa a morte para você?
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Iguala os homens |
Não é o fim |
Figura 2: Respostas dos moradores
Perguntas |
respostas
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morador M. |
morador L. |
morador G. |
morador A. |
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1- O que o levou a escolher morar nesta comunidade?
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Proximidade de recursos |
Mudança |
Casamento |
Identificação |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Somente roubos |
Não |
Não. É invenção das pessoas |
Não |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Onde não há choro |
Aqueles que não usam vela, flores, missa, com pouca gente |
Evangélico. Acham muito natural |
Não vou a velórios |
4- Qual a importância do coveiro no cemitério?
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Muito grande. |
Cuida do local, da família e do morto |
É mais que um profissional. Tem muitas habilidades sociais |
Necessário |
5- O que significa a morte para você?
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Natural da vida |
Perda |
Descanso. Sono do qual não se acorda |
Passagem |
Mitos e lendas urbanas
Atualmente, os mortos não são mais enterrados “sob sete palmos de terra”, agora são construídas “carneiras” onde os caixões são depositados e vedados com cimento para evitar-se o espalhamento do “churume” ao lençol freático. Apesar de não haver mitos a respeitos do cemitério desta comunidade, a comunidade é transpassada por vários mitos e lendas sobre a morte. Apesar de ser um conceito não definido de modo preciso e unânime, os mitos constituem uma realidade antropológica fundamental, pois eles não só representam uma explicação sobre as origens do homem e do mundo em que se vive como traduzido por símbolos, ricos de significados, o modo como um povo ou uma civilização entende e interpreta a existência. Segundo, Eliade (apud FRAGOSO, 2008), “o mito é uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural”.
Observa-se que o místico ocupa lugar importante na construção da identidade social dos moradores desta comunidade. Nos velórios, enterros e devoção com seus mortos percebem-se o lugar das religiões, dos rituais, das flores, das velas, das moedas e da saída de costas do cemitério, o banho, o calçar a meia no morto, o respeito ao morto. É possível dizer para Harfuch (2005) que “ dentro dos cemitérios públicos da cidade ocorre a manifestação de uma posição religiosa e em alguns casos misturando em seus jazigos, elementos das mais diversas religiões, sem estarem necessariamente negando sua fé ou sendo incoerentes em suas convicções”.
o CEMITÉRIO enquanto lugar de memÓria e identidade
Há uma narrativa social da identidade do sujeito morto através dos símbolos que são colocados na sepultura, sendo esta a comunicação do morto com o vivo, através do desejo do morto ou pela ótica de quem não morreu. Através dos símbolos é visualizado à própria história de vida do morto. O apego a bens materiais, a profissão, a vocação, a vida de luxo representada nas ostentações, a vida afetiva e muito mais, estes símbolos dão à sepultura uma linguagem simbólica para quem a visita. Por este motivo, alguns autores como Godoi (2005) relatam que visitar um cemitério é como visitar um museu.
Sendo a morte ainda uma tabu, onde as pessoas procuram manter-se distantes dela, e têm grande dificuldade de aceitá-la, pode-se entender a construção de túmulos, acender velas, colocar imagens, lápides, estimular a lembrança, recordar o morto em vida é resgatar a vivência dos indivíduos que lá habitam e do universo que os cerca. Cada túmulo possui os registros de um ser e este possui sua história que deseja ser contada. É uma forma de as pessoas manterem o vinculo afetivo com quem já não vive mais entre eles. Torna-se um espaço que nos une em grande medida ao passado, o cemitério. Nos túmulos, nas inscrições das lápides, as datas de nascimento: testemunhos mudos, elogios fúnebres de diferentes viver, que falam do passado, um espetáculo confortante de memória, um espaço de se manter viva a esperança em memória os entes queridos. Finalizamos dizendo que a morte e o lidar com o morto, não são atos individuais e sim acontecimentos de práticas racionais, intrinsecamente relacionado com a memória e com a comunicação com os mortos, mantendo seu vinculo afetivo. Reconhecemos na morte, uma eficácia ritual. Ao olharmos nos cemitérios “[...] veremos a quantidade de ritos mágicos de que ele é objeto”. (RODRIGUES, 1975). Entre estes rituais, temos o próprio velório com suas representações.
O que de fato ocorre quanto da visualização do número de pessoas presentes ou não a um ritual de velório? O que se constatou pela história oral desta comunidade é que se numa velação ao morto o número de pessoas presentes representam o quanto esta pessoa é boa ou não; o que ela representou para a comunidade e para família. O velório bem assistido é o da pessoa tida como “boa”, com grande presença de membros da comunidade; já o velório que há pouca participação é o da pessoa que não é bem vista pela comunidade.
Considerações finais
Pelo fato deste cemitério permear a principal via de acesso à comunidade, a hipótese era de que este, estaria repleto de mitos e lendas urbanas. As hipóteses que consideradas relevantes, após a pesquisa de campo não se concretizaram, pelo contrário, a comunidade lida muito bem com a instituição cemitério, uma vez que reconhecem a importância do mesmo, como sendo de “utilidade pública”. A nuance que nos permeava, de uma crença em assombração e acontecimentos sobrenaturais, contrastou com a tranqüilidade e a paz que este cemitério representa para a comunidade. Verifica-se que a comunidade é produtora de conhecimentos a respeito da morte e reproduz este conhecimento através da história oral. A localização do cemitério nesta comunidade facilita o transporte, o velório e o enterro do morto, pois tudo é muito próximo. Esta proximidade com o cemitério foi relatada pelos moradores como um facilitador para a visitação aos entes falecidos mantendo com isso ainda um grande vínculo afetivo, dificultando o processo de elaboração do luto.
Observa-se a importância atribuída aos funcionários do cemitério pelas pessoas entrevistadas na comunidade. Todos os pesquisados falaram da importância deste profissional, pois os mesmos chegam a ficar depois do horário de trabalho, caso tenha um enterro após este. São comuns os relatos do conforto dado aos familiares enlutados por estes profissionais e dos cuidados dispensados aos mortos e aos ossos dos familiares que foram desenterrados para ceder lugar ao novo morto, pois os ossos são colocados num saco plástico, ficando ao lado do caixão do morto que acabou de ser enterrado. Não é a intenção deste trabalho generalizar os resultados, pois não foi realizado um estudo comparativo em outra comunidade que não tenha um cemitério lhe permeando, pensa-se, porém que talvez a não existência do cemitério nesta comunidade traria mitos e lendas sobre o mesmo, porém, é apenas mais uma hipótese. Pretendeu-se, com este trabalho, fazer algumas considerações e sugestões, uma vez que abrange algumas áreas da Psicologia como, Organizacional, Educacional, Social e Comunitária sendo: Quanto aos funcionários do cemitério o que pôde ser observado é que, são contratados através de concurso público para a vaga de Auxiliar de Serviços Gerais, mas além do profissional ter de entender dos serviços que presta à instituição tais como: manutenção dos túmulos, construção das carneiras; este lida com a morte diariamente, seja enterrando ou desenterrando corpos e ainda é esperado dele um comportamento de atenção à família do morto e ao morto também.
Vemos como importante a elaboração de um documento no qual se descreva as habilidades necessárias para este profissional assumir o cargo propondo a criação da profissão de “coveiro”, pois no edital do concurso, só consta a função de “Auxiliar de Serviços Gerais”, bem como fazer acompanhamento psicológico regular dos profissionais dos cemitérios do município. Pensa-se-se que este profissional possa ser um acadêmico de psicologia, abrindo com isso, campo de estágio em Psicologia Clínica, Organizacional e Educacional.
REFERÊNCIAS
BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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GODO, Wanderley; LANE, Silvia T. Maurer (Org.). Psicologia social: o homem em movimento. 13.ed. Sao Paulo: Brasiliense, 1999. 220p
GODOI, Adolfo Felix. Turismo em cemitérios. Revista de Estudos Turísticos. Ed. 11. nov. 2005. Disponível em https://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?IDConteudo=928 - 34k. Acesso em 09 Nov. 2008.
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Harfuch, Lívia. Uma análise da cultura material: sepulturas de israelitas em cemitérios não judaicos na cidade de Rolândia – PR, de 1930 – 2005. Associação Nacional de História – ANPUH. XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em <https://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Livia%20Harfuch.pd>. Acesso em 11 nov. 2008.
JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura/ Sandra Jovchelovitch: Tradução de Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ. Vozes, 2008.
MINAYO, M. C. S. (org). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis, Vozes. 1994.
MUNIZ, Paulo Henrique. In: O estudo da morte e suas representações socioculturais, simbólicas e espaciais. Revista Varia Scientia, v. 06, n. 12, p. 159-169. Dez/2006. Disponível em < https://e-revista.unioeste.br/index.php/variascientia >. Acesso em 09 out 2008.
NEVES, L. J. Pesquisa qualitativa-características, usos e possibilidades. Caderno de pesquisas em administração. São Paulo, V.1, n 3, 2º sem/1996. Disponível em < https://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf >. Acesso em 12 out 2008.
RODRIGUES, José Carlos. O tabu do corpo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Achiamé, 1975. XII. 174 p. – (Série Universidade. Antropologia Social; 2).
Sarriera, Jorge Castellá. Psicología comunitária – estudos sociais. Porto Alegre: Sulina 2000. 202 p.
SAWAIA, B. B. Comunidade: A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade. In Campos, Regina Helena de Freitas (org.). Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. – Petrópolis, Rj: Vozes, 1996.
WIKIPÉDIA, A enciclopédia livre. História oral. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=História_Oral > Acesso em 09 de outubro de 2008.
*Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC- Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Psicopedagoga pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL e Neuropsicopedagoga (Em Formação) pela Faculdade Porto das Águas – FAPAG. Capacitação em Saúde Baseada em Evidências (Em formação), pelo Hospital Sírio Libanês. Desenvolvendo atividades junto a Secretaria de Estado da Saúde – SEA de Florianópolis desde 1990 e no Instituto de Aperfeiçoamento Executivo Nacional – IAPEN - Nas áreas de Desenvolvimento de Pessoas, Preparação para Aposentadoria, Relacionamento Interpessoal, Ética profissional, Trabalho de/em Equipe, Biossegurança, Emoções no Trabalho, Distúrbios e Transtornos de Aprendizagem e Gênero, Habilidades Sociais e Sexualidade. Atendendo em Clínica Particular.
Contatos: Email: janetepsicologa@live.com
a representação da morte E O mito do cemitéiro em comunidade do município de biguaçu-SC: relato de experiência
Janete Leony Vitorino*
A constatação de que a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em adiá-la cada vez mais e, levando-se em conta a ajuda dinâmica da sociedade capitalista, que entende o morto como um ser improdutivo pretende-se a partir deste movimento visualizar nesta comunidade a significação da morte a partir, de depoimentos considerados relevantes dos moradores e funcionários do cemitério local. A intensão de analisar como esta comunidade lida com esta representação da morte é uma hipótese cogitada por nós, pois estes moradores assistem aos velórios realizados quase que diariamente, uma vez que o necrotério fica anexo ao cemitério e ainda verificar como os mesmos trabalham a perda, pois as pessoas veladas não estarão mais fazendo parte da comunidade. O cemitério é a terra dos antepassados, local este onde o passado e presente se chocam, onde as memórias afloram e as lágrimas caem, sendo também um lugar de oração, de reflexão, e também um local de comunicação, pois é através das lápides que o morto, através dos vivos tem sua história seja contada.
O cemitério também é considerado uma comunidade, necessitando por isso ser organizada, limpa, ter moradores, quadra, números etc. Segundo Muniz, 2006 “a visita a um cemitério é como uma visita a um museu”, pois especifica muito sobre o social e o cultural de um determinado grupo. A história oral trás resíduos da cultura material e auxilia na compreensão e redefinição da história local, por este motivo a história oral de uma comunidade deve ser tratada com respeito, por ser “um relato vivo do passado” (Muniz, 2006). É esta historia oral que será resgatada quando nos propomos a ir em busca de confirmação (ou não) das hipóteses em considerar que, por existir um cemitério localizado no meio de uma comunidade, esta por sua vez, e através da história oral, nos irá relatar fatos que confirmem nossos questionamentos e curiosidades. Espera-se que esta comunidade, através de seus moradores mais antigos nos forneçam relatos de histórias sobrenaturais ligadas a este cemitério em específico, pois o mesmo esta a quase cem anos nesta localidade. Cultura e significado estão intrinsecamente atrelados às representações sociais. De uma maneira ou de outra, refletem ou interferem entre si, pois uma vez construída a representação tem seu significado, que acaba sendo reflexo direto das representações, refletindo-se em nossas experiências e também naquilo que somos, representando desta forma, nossa identidade também.
Por que estudar a morte e suas representações? Ao se trabalhar com a morte e suas representações, trabalha-se, sobretudo com a memória. Uma coisa é encarar a morte a partir do conceito freudiano de que o “objetivo derradeiro da vida é sua própria extinção” e outra é pensar a realidade de cada morte individual, pois é importante a compreensão de como o homem encara nos dias atuais, seu destino final. Nesta pesquisa pretende-se também fazer um levantamento dos símbolos que acompanham os túmulos, e lápides, pois segundo Muniz (2006), os símbolos “nos falam quem era o morto e onde e quanto tempo ele viveu e o que representava para aqueles que não morreram”. Finalizando observa-se também que a morte é considerada por diversos autores como sendo “irmã do sono” ou “filha da noite”, pois a morte é introdutória aos mundos desconhecidos do paraíso, do inferno e do purgatório. Por esta razão a morte não é um drama individual e unicamente pessoal, mas sim é ela, o drama de uma comunidade que, súbita ou lentamente vê um de seus membros deixar de desempenhar um papel social definido e que desempenhavam quando eram vivos.
Isso é constatado na comunidade que pesquisaremos, pois juntamente com a morte e o cemitério, vão e estão as pessoas que faziam parte da vida das pessoas e desta comunidade e que não mais estarão presentes. Estudar a morte, os mitos e as lendas, é conhecer a própria história do homem, pois eles são tão antigos quanto o mesmo. As crenças em torno da morte nos motivaram a pesquisar o tema numa comunidade próxima a um local de morte, ou seja, o cemitério. Escolhemos a comunidade do município de Biguaçu, por ter em sua via de acesso. Compreende-se que através do relato oral a história, as crenças, os mitos e lendas, a cultura de um povo possa se perpetuar. Diante e desta temática elencou-se como problema de pesquisa verificar qual a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério. O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério na perspectiva da comunidade e do coveiro e como objetivos específicos, identificar os mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério, compreender os processos de significação morte/vida desta comunidade.
Por comunidade segundo Thompson (1995, apud JOVCHELOVITCH, 2008) é identificada um conjunto de questões interligadas que subjuga a idéia tradicional de comunidade que era a idéia tradicional de comunidade que era definida como, “um espaço geográfico relativamente pequeno, onde as pessoas conhecem bem uma às outras e se sentem estreitamente relacionadas não apenas a outros seres humanos, mas também a uma paisagem, a uma geografia particular e a um ambiente natural”. As comunidades humanas sempre se encontraram com o outro, desenvolvendo estratégias de comunicação. O que hoje é trazido de novo é o passo rápido deste encontro. A globalização como um processo cultural e psicológico, propiciou a criação simultânea de novas comunidades como as virtuais e a reorganização de velhas comunidades, de identidades, e lugar. Estas transformações mais recentes colocam novas questões à vida em comunidades à sobrevivência da mesma.
É através das relações sociais entre os sujeitos que segundo Marins (1998, apud Sarriera, 2000) que a comunidade compartilha conhecimentos reproduzindo-os. “A relação entre Psicologia e Sociedade está fundamentada na questão ética colocando a identidade e a alteridade como principais figuras, sempre em harmonia com as necessidades sociais, as especificidades culturais e os direitos humanos gerando assim estudos a fim de recuperar sua autonomia e resgatar estes direitos com fins de integração social”. (HELLER, 1987 apud SAWAIA, p. 47). Como história oral compreende-se uma metodologia muito usada em pesquisas histórias e sociológicas. Surgida como forma de valorização das memórias e recordações de indivíduos, é um método de recolhimento de informações através de entrevistas com pessoas que vivenciaram algum fato ocorrido. Apesar de seu uso crescente, a sua credibilidade enquanto dado é questionada por parte de alguns acadêmicos: o entrevistado pode ter uma trilha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar, omitir ou mesmo mentir. Mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória", conseguiu-se estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais.
O que poderia ser percebido como um problema acaba se transformando em um recurso, uma vez que o próprio entrevistador, no ato de produção da narrativa histórica, não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido. Mesmo quando o pesquisador tenha certeza de que o entrevistado esteja mentido conscientemente, cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo.
No caso de esquecimento, para ajudar suprir essa falha, podem-se usar os chamados "apoios de memória", como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa .Outra forte crítica à fidedignidade das fontes orais é a que elas são carregadas de subjetividade. Essa subjetividade muitas vezes é percebida, mas é ela que muitas vezes faz a diferença, pois as fontes orais contam-nos não apenas o que um povo ou um indivíduo fez, mas também os seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou fizeram. A fonte oral geralmente vem a ser uma das únicas formas de registro e estudo de algumas sociedades ágrafas ou também de alguns setores marginalizados da sociedade, uma vez que as classes dominantes, detentoras do controle sobre a escrita, por isso deixam registros mais abundantes. Muitos pesquisadores ainda acreditam que documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais.
No ato de contar histórias, os saberes sociais ganham vida e com eles as representações do passado e as apresentações da identidade. Contando histórias a comunidade lembra o que aconteceu colocando a experiência em seqüência. O contar histórias evoca campos de realidades intersubjetivas; campos de conhecimento e de reconhecimento, interligando: passado, presente e futuro e a produção de mitos, lendas e contos respondem à necessidade ligada à origem do sujeito Bartlett (1992, apud JOVCHELOVITCH, 2008).
É apenas a experiência refletida e elaborada que pode nos transformar e recuperar a substância histórica. A habilidade de recordar como elaboração de trabalhar simbolicamente o passado que outrora existiu, permitindo às comunidades refletir sobre compreender, revisar e se necessário renovar suas identidades, práticas e histórias. A produção de mitos, lendas e contos, responde a necessidades ligadas a origem de cada um, como também a preceitos morais (quando nos ensinam o que fazer). São estas histórias contadas que interligam o passado, o presente e o futuro e por isso estão entrelaçadas a construção e continuidade das comunidades (JOVCHELOVITCH, 2008).
Como representação social poderia se dizer que o conceito nasceu de um contraste entre Durkhein e Weber, da luta entre uma perfeita teoria da conformidade social fornecida por Durkhein e uma teoria da inovação e da influência das minorias fornecida por Weber (MOSCOVICI, 1993 apud JOVCHELOVITCH, 2008). As representações sociais pertencem a uma cadeia de conceitos que se referem às crenças, sentimentos e idéias habituais e homogeneamente compartilhadas pela comunidade. Essas representações sociais “ podem ser definidas como enquadres para o pensamento e a ação, compartilhados de forma homogênea, por uma comunidade” compreendendo assim: “ ideações, emoções, rituais e os costumes que os indivíduos carregam e desempenham, mas sobre os quais tem pouco controle” (JOVCHELOVITCH, 2008).
Segundo Malrieu (apud LANE e GODO, 1997, p. 35), a representação social é construída através da comunicação, na qual o sujeito se põe à prova através de suas ações, “ o valor – vantagens e desvantagens – do posicionamento dos que se comunicam com ele, objetivando e selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma procura de personalização”. Nesse processo de comunicação o mundo vai se estruturando. A comunicação e a personalização determinam e são determinadas pelas representações sociais. Podem-se conhecer as representações sociais de uma comunidade através dos discursos individuais de cada ator social e é neste contexto que o mito se configura como uma representação social.
Com relação a representação da morte no imaginário social é como mesclar, o simbólico e o imaginário como fazendo parte da formação das relações e aparecem nas vivências das pessoas e grupos (Sarriera et al, 2000, p. 36). Bowlby (2002) diz que cada cultura tem sua própria forma de abordar a morte e é nessa diversidade que podemos aprender a reconhecer, respeitar e lidar com a morte através da perspectiva do outro. Na sociedade atual existem pessoas que crêem na representação da boa morte e da má morte. A boa morte é aquela sob a qual as pessoas têm algum controle, as múltiplas representações de que uma “boa morte” é uma morte preparada, controlada e anunciada, se for mediada por profissionais habilitados pode se transformar em um evento natural e aceito socialmente. A “má morte” representa o incontrolável, acontece no local e momento inoportunos e ainda pode ser recriminada pela sociedade.
Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e exploratória, que responde conforme Minayo (1994) a questões subjetivas e tem como foco as pessoas com suas crenças, significações e valores, em seu contexto e que fazem parte de determinada condição social. Utiliza-se este tipo de pesquisa quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo espaço para a interpretação. (NEVES, 1996). A pesquisa qualitativa é uma modalidade de pesquisa muito utilizada na psicologia, pois permite o estudo de conceitos subjetivos. Não se pretende fazer generalizações das informações, pois o caráter da mesma é exploratório.
Outro método que foram utilizado foi a entrevista aberta e semiestruturada. A entrevista foi utilizada como um recurso para a construção de vínculos com os entrevistados já que a mesma estabelece a relação social e permite a proximidade real com o tema pesquisado. A entrevista semiestruturada foi utilizada a fim de definir o roteiro temático e tem como vantagens possibilitar maior profundidade e verdade de temas complexos. (HAGUETE, 1999).
Serão estabelecidos dois roteiros contendo cinco a seis questões que norteiam o tema, podendo variar durante o processo da entrevista. O roteiro A, destina-se ao funcionário do cemitério e o roteiro B, destina-se aos moradores da comunidade. A população utilizada para a pesquisa reside na comunidade do município de Biguaçu-SC. Participarão da mesma quatro (4 ) moradores desta comunidade, e também o coveiro do referido cemitério. Os critérios utilizados para a inclusão dos sujeitos nesta pesquisa foram: a) Serem moradores da comunidade supracitada e b) Serem trabalhadores deste cemitério, no caso do administrador e dos coveiros. Outros instrumentos utilizados para coleta de dados serão as observações livres e diálogos estabelecidos com os sujeitos da pesquisam, gravador e diário de campo. A entrevista semiestruturada com questionário aberto também constará como instrumentos de coleta de dados.
A observação livre deu-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com o intuito de obter informações desejadas sobre a totalidade do contexto da realidade dos sujeitos pesquisados, em seus princípios e particularidades. (Cruz Neto, 1995).
A equipe que realizou este trabalho, desde o início esteve motivada para a pesquisa sendo que em todas as visitas à comunidade e entrevistas realizadas houve a participação de todos os membros da equipe. Seguiu-se um roteiro pré-elaborado para a conclusão com êxito desta pesquisa. No dia 18 de setembro de 2008, realizamos a visita exploratória à comunidade e ao cemitério.
Em visita ao cemitério, conversamos também com os coveiros que relataram gostar do trabalho que exercem e solicitamos a possibilidade de marcarmos entrevistas com cada um deles para nos relatarem de suas experiências e se lembravam de algumas estórias relacionadas a este cemitério em particular. Realizamos no dia 22 de setembro a visita à comunidade próxima a este cemitério. Percorremos algumas ruas, conversamos com alguns moradores e solicitamos a possibilidade de nos concederem uma entrevista com a comunidade e o cemitério. Fomos sempre recebidos com sorrisos e não com café, mesmo porque a hora que a gente foi já tinha passado do momento do café, apenas éramos convidados para o almoço. Umas das integrantes da equipe aceitou um convite e depois da aula almoçou na residência de uma das entrevistadas. Neste mesmo dia, esta acadêmica passou pelo cemitério para confirmação da entrevista com um dos coveiros para o dia 25 de setembro de 2008.
Na semana seguinte fomos ao cemitério e realizamos a primeira entrevista. Conseguimos, construir um rapport e a entrevista seguiu um bom andamento. O primeiro coveiro a ser entrevistado ficou feliz em nos conceder a entrevista e se emocionou quando nos relatou os rituais de velório e enterro de crianças e jovens. Logo após a entrevista, nos mostrou uma série de curiosidades a respeito de cemitério e fizemos um verdadeiro passeio por entre aquela comunidade de mortos. No início do mês de outubro aconteceu nossa segunda entrevista com outro funcionário do cemitério. Foi muito importante a fala deste funcionário, uma vez que o mesmo trabalhava na coleta de lixo e foi convidado para executar suas atividades no cemitério municipal. Segundo ele, passou alguns dias pensando para então dar a resposta definitiva se aceitaria o cargo ou não. O mesmo retatou que no início foi muito difícil e perdeu o número de vezes que foi embora no meio do expediente. Quando ocorria um enterro ou uma abertura de túmulo, ele não conseguia ficar. Ele conta que conversou com sua mãe que o aconselhou a se apegar a Deus que isso passava, pois nós “temos que ter medo é dos vivos e não dos mortos”. Seu medo somente passou quando ele teve que executar sozinho o trabalho, pois o outro funcionário não estava presente naquele dia. Deste dia em diante o medo passou e o mesmo faz todo o trabalho que antes temia.
A entrevista com o administrador do cemitério ocorreu no dia 09 de outubro. Referiu-se que aceitou o convite do prefeito em administrar este cemitério que estava bastante abandonada até então. Este administrador nos relatou que trabalha neste cemitério há oito anos e quando aceitou o convite sabia de trabalho que o esperava. O cemitério era completamente tomado pelo mato que dificultava até a visão dos túmulos. Foram retirados, mais de quatro caminhões de lixo. Hoje se sente satisfeito em olhar e perceber e receber os elogios de todos os freqüentadores com relação à limpeza e ordem quanto á apresentação do referido cemitério. Enfatiza-nos da não necessidade do trabalho de vigilância noturna, pois os guardas poderiam ser alvos de vandalismo e perseguições que poderiam prejudicar a vida destes trabalhadores. O furto dos vasos de alumínio, uma constante neste cemitério, pode ser entendido com sendo praticados à noite e por pessoas que os trocam ou vendem por preços irrisórios. As famílias ficam aborrecidas, pois são artigos de preço considerável.
As próximas entrevistas foram realizadas com duas moradoras muito amigas que uma resolveu visitar a outra na hora da entrevista o que acabou se tornando uma conversa muito agradável, porém, cada uma teve seu momento de responder as perguntas. A primeira entrevistada tem 73 anos e mora há 47 anos nesta comunidade e veio para cá para ficar mais perto da cidade, pois morava no interior do município. A mesma está em processo de elaboração de luto pois havia perdido uma neta em acidente de trânsito acerca de dois anos. Ao nos relatar sobre a perda, ela emocionou-se e até levou-nos para ver as fotos da neta que ainda permaneciam na residência. Para esta entrevistada, a morte é uma coisa natural, porém, não aceita esta morte quando acontece com pessoas jovens, como o ocorrido com sua neta. Para eata entrevistada, o choro é necessário para significar o quanto se está sentindo a perda da pessoa.
A entrevista seguinte foi com uma moradora, que possui 57 anos e mora nesta comunidade há 32 anos. Veio para esta comunidade, porque a família vendeu a antiga propriedade que ficava em outro bairro e o dinheiro só deu para comprar um terreno nesta comunidade. Para esta moradora, as pessoas não tem medo de passar pelo local do cemitério à noite. O único medo que as pessoas tem é de ladrão, pois o lugar fica um pouco deserto. Quanto a ter algum conhecimento sobre mitos e lendas, a mesma dia que nunca ouviu falar de nenhuma história envolvendo este cemitério, pois é muito limpo e organizado. Para esta entrevistada, um velório com poucas pessoas significa que esta pessoa era “pouco querida” da comunidade. Já um velório com bastante gente significa que a pessoa era “muito querida” pela comunidade e que irá deixar saudade. A moradora relata que um velório bom é aquele com muitas flores, velas e com uma missa para encomendar o corpo para um bom caminho. Já um velório sem velas, flores ou missa, parece que o morto não tem um bom encaminhamento. Esta entrevistada possui vários parentes enterrados neste cemitério e comenta sobre a importância do mesmo nesta comunidade pela praticidade em realizar visitas constantes mantendo com isso vínculos afetivos e, conseqüentemente, a maior dificuldade na elaboração dos lutos.
A entrevista seguinte aconteceu no dia 23 de outubro com outra moradora da localidade. A mesma tem 52 anos e que mora nesta comunidade há 38 anos para esta entrevista. Nossa entrevistada relata que sempre trabalhou fora para poder criar seus quatro filhos. Sempre gostou de cozinhar e hoje está na perícia por conta de uma inflamação em articulações em membros superiores. A moradora relata que seu marido já possuía o terreno antes de casar e por isso construiu sua casa neste local e mora até hoje. Se dá bem com todos os visinhos e não pretende se mudar. “Só sairá dali para o cemitério”. Como sempre esteve fora de casa nunca soube de nenhuma história envolvendo o cemitério local. Segundo a mesma, estas histórias não acontecem porque o povo também não acredita que elas possam existir.
A mesma informa que “sempre teve muito medo de pessoa morta”, porém, fez uma simpatia ensinada por outra pessoa, que era “colocar a mão em uma pessoa morta”. Assim ela fez e até hoje o “medo de morto passou”. Não aceita a idéia de que outras doutrinas relatem a morte como uma coisa natural, por não chorarem e nem colocarem velas ou flores. Para os evangélicos, segundo a mesma, a morte é tida como o fim de tudo e isso ela não concorda. Tem certas doutrinas que não visitam seus mortos e isso ela não entende muito o porque deste não gesto com os entes queridos que se foram. Quanto ao trabalho dos coveiros esta moradora reconhece ser um trabalho de muita importância, uma vez que não é qualquer pessoa que pode executar esta tarefa. Além de todo trabalho braçal executado pelos funcionários, existe também um trabalho de apoio às famílias e o cuidado com o morto e com os restos mortais de quem estava enterrado anteriormente. Para esta moradora, o lugar mais tranqüilo da comunidade é, sem dúvida a instituição cemitério.
A última entrevista foi realizada no dia 30 de outubro com um morador. O mesmo desconhece qualquer história sobrenatural relacionada ao cemitério local e que mora há mais de 30 anos na localidade. Relata também da importância do cemitério enquanto de utilidade pública e o quanto o mesmo é importante para esta comunidade que não precisa se deslocar para outras localidades para enterrar seus mortos. Este morador em especial foi importante para o grupo no sentido do mesmo estar em tratamento psiquiátrico e psicológico em virtude de sintomas de síndrome do pânico e depressão. Relatou-nos da importância do profissional psicólogo em seu restabelecimento e o quanto foi importante o trabalho em conjunto ou seja, medicamentoso e psicoterápico. Voltamos fortalecidos pelas palavras deste morador que mais uma vez nos mostrou que estamos no caminho certo na escolha da profissão. Ficamos angustiados e frustrados em muitos momentos quando perguntávamos sobre as questões sobrenaturais e eles nos respondiam unanimemente que elas não existiam. Mas com certeza este foi um dos trabalhos acadêmicos mais gratificantes de nossa formação. Abaixo se mostra os quadros com os resultados das entrevistas, sendo que a figura 1 apresenta os resultados das entrevistas com os funcionários do cemitério e a figura 2 trata dos resultados das entrevistas com os moradores:
Figura 1: Respostas dos funcionários
Perguntas |
respostas
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funcionario J. |
Funcionário S. |
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1- O que o levou a escolher trabalhar no cemitério?
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Desemprego |
Transferência de posto |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Sim. Mulher de branco que desapareceu (ouviu) |
Não. Só os roubos. |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Evangélicos |
Evangélicos |
4- Qual o tipo de morte que mais lhe sensibiliza?
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Criança/jovem |
Criança |
5- O que significa a morte para você?
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Iguala os homens |
Não é o fim |
Figura 2: Respostas dos moradores
Perguntas |
respostas
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morador M. |
morador L. |
morador G. |
morador A. |
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1- O que o levou a escolher morar nesta comunidade?
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Proximidade de recursos |
Mudança |
Casamento |
Identificação |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Somente roubos |
Não |
Não. É invenção das pessoas |
Não |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Onde não há choro |
Aqueles que não usam vela, flores, missa, com pouca gente |
Evangélico. Acham muito natural |
Não vou a velórios |
4- Qual a importância do coveiro no cemitério?
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Muito grande. |
Cuida do local, da família e do morto |
É mais que um profissional. Tem muitas habilidades sociais |
Necessário |
5- O que significa a morte para você?
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Natural da vida |
Perda |
Descanso. Sono do qual não se acorda |
Passagem |
Mitos e lendas urbanas
Atualmente, os mortos não são mais enterrados “sob sete palmos de terra”, agora são construídas “carneiras” onde os caixões são depositados e vedados com cimento para evitar-se o espalhamento do “churume” ao lençol freático. Apesar de não haver mitos a respeitos do cemitério desta comunidade, a comunidade é transpassada por vários mitos e lendas sobre a morte. Apesar de ser um conceito não definido de modo preciso e unânime, os mitos constituem uma realidade antropológica fundamental, pois eles não só representam uma explicação sobre as origens do homem e do mundo em que se vive como traduzido por símbolos, ricos de significados, o modo como um povo ou uma civilização entende e interpreta a existência. Segundo, Eliade (apud FRAGOSO, 2008), “o mito é uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural”.
Observa-se que o místico ocupa lugar importante na construção da identidade social dos moradores desta comunidade. Nos velórios, enterros e devoção com seus mortos percebem-se o lugar das religiões, dos rituais, das flores, das velas, das moedas e da saída de costas do cemitério, o banho, o calçar a meia no morto, o respeito ao morto. É possível dizer para Harfuch (2005) que “ dentro dos cemitérios públicos da cidade ocorre a manifestação de uma posição religiosa e em alguns casos misturando em seus jazigos, elementos das mais diversas religiões, sem estarem necessariamente negando sua fé ou sendo incoerentes em suas convicções”.
o CEMITÉRIO enquanto lugar de memÓria e identidade
Há uma narrativa social da identidade do sujeito morto através dos símbolos que são colocados na sepultura, sendo esta a comunicação do morto com o vivo, através do desejo do morto ou pela ótica de quem não morreu. Através dos símbolos é visualizado à própria história de vida do morto. O apego a bens materiais, a profissão, a vocação, a vida de luxo representada nas ostentações, a vida afetiva e muito mais, estes símbolos dão à sepultura uma linguagem simbólica para quem a visita. Por este motivo, alguns autores como Godoi (2005) relatam que visitar um cemitério é como visitar um museu.
Sendo a morte ainda uma tabu, onde as pessoas procuram manter-se distantes dela, e têm grande dificuldade de aceitá-la, pode-se entender a construção de túmulos, acender velas, colocar imagens, lápides, estimular a lembrança, recordar o morto em vida é resgatar a vivência dos indivíduos que lá habitam e do universo que os cerca. Cada túmulo possui os registros de um ser e este possui sua história que deseja ser contada. É uma forma de as pessoas manterem o vinculo afetivo com quem já não vive mais entre eles. Torna-se um espaço que nos une em grande medida ao passado, o cemitério. Nos túmulos, nas inscrições das lápides, as datas de nascimento: testemunhos mudos, elogios fúnebres de diferentes viver, que falam do passado, um espetáculo confortante de memória, um espaço de se manter viva a esperança em memória os entes queridos. Finalizamos dizendo que a morte e o lidar com o morto, não são atos individuais e sim acontecimentos de práticas racionais, intrinsecamente relacionado com a memória e com a comunicação com os mortos, mantendo seu vinculo afetivo. Reconhecemos na morte, uma eficácia ritual. Ao olharmos nos cemitérios “[...] veremos a quantidade de ritos mágicos de que ele é objeto”. (RODRIGUES, 1975). Entre estes rituais, temos o próprio velório com suas representações.
O que de fato ocorre quanto da visualização do número de pessoas presentes ou não a um ritual de velório? O que se constatou pela história oral desta comunidade é que se numa velação ao morto o número de pessoas presentes representam o quanto esta pessoa é boa ou não; o que ela representou para a comunidade e para família. O velório bem assistido é o da pessoa tida como “boa”, com grande presença de membros da comunidade; já o velório que há pouca participação é o da pessoa que não é bem vista pela comunidade.
Considerações finais
Pelo fato deste cemitério permear a principal via de acesso à comunidade, a hipótese era de que este, estaria repleto de mitos e lendas urbanas. As hipóteses que consideradas relevantes, após a pesquisa de campo não se concretizaram, pelo contrário, a comunidade lida muito bem com a instituição cemitério, uma vez que reconhecem a importância do mesmo, como sendo de “utilidade pública”. A nuance que nos permeava, de uma crença em assombração e acontecimentos sobrenaturais, contrastou com a tranqüilidade e a paz que este cemitério representa para a comunidade. Verifica-se que a comunidade é produtora de conhecimentos a respeito da morte e reproduz este conhecimento através da história oral. A localização do cemitério nesta comunidade facilita o transporte, o velório e o enterro do morto, pois tudo é muito próximo. Esta proximidade com o cemitério foi relatada pelos moradores como um facilitador para a visitação aos entes falecidos mantendo com isso ainda um grande vínculo afetivo, dificultando o processo de elaboração do luto.
Observa-se a importância atribuída aos funcionários do cemitério pelas pessoas entrevistadas na comunidade. Todos os pesquisados falaram da importância deste profissional, pois os mesmos chegam a ficar depois do horário de trabalho, caso tenha um enterro após este. São comuns os relatos do conforto dado aos familiares enlutados por estes profissionais e dos cuidados dispensados aos mortos e aos ossos dos familiares que foram desenterrados para ceder lugar ao novo morto, pois os ossos são colocados num saco plástico, ficando ao lado do caixão do morto que acabou de ser enterrado. Não é a intenção deste trabalho generalizar os resultados, pois não foi realizado um estudo comparativo em outra comunidade que não tenha um cemitério lhe permeando, pensa-se, porém que talvez a não existência do cemitério nesta comunidade traria mitos e lendas sobre o mesmo, porém, é apenas mais uma hipótese. Pretendeu-se, com este trabalho, fazer algumas considerações e sugestões, uma vez que abrange algumas áreas da Psicologia como, Organizacional, Educacional, Social e Comunitária sendo: Quanto aos funcionários do cemitério o que pôde ser observado é que, são contratados através de concurso público para a vaga de Auxiliar de Serviços Gerais, mas além do profissional ter de entender dos serviços que presta à instituição tais como: manutenção dos túmulos, construção das carneiras; este lida com a morte diariamente, seja enterrando ou desenterrando corpos e ainda é esperado dele um comportamento de atenção à família do morto e ao morto também.
Vemos como importante a elaboração de um documento no qual se descreva as habilidades necessárias para este profissional assumir o cargo propondo a criação da profissão de “coveiro”, pois no edital do concurso, só consta a função de “Auxiliar de Serviços Gerais”, bem como fazer acompanhamento psicológico regular dos profissionais dos cemitérios do município. Pensa-se-se que este profissional possa ser um acadêmico de psicologia, abrindo com isso, campo de estágio em Psicologia Clínica, Organizacional e Educacional.
REFERÊNCIAS
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SAWAIA, B. B. Comunidade: A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade. In Campos, Regina Helena de Freitas (org.). Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. – Petrópolis, Rj: Vozes, 1996.
WIKIPÉDIA, A enciclopédia livre. História oral. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=História_Oral > Acesso em 09 de outubro de 2008.
*Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC- Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Psicopedagoga pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL e Neuropsicopedagoga (Em Formação) pela Faculdade Porto das Águas – FAPAG. Capacitação em Saúde Baseada em Evidências (Em formação), pelo Hospital Sírio Libanês. Desenvolvendo atividades junto a Secretaria de Estado da Saúde – SEA de Florianópolis desde 1990 e no Instituto de Aperfeiçoamento Executivo Nacional – IAPEN - Nas áreas de Desenvolvimento de Pessoas, Preparação para Aposentadoria, Relacionamento Interpessoal, Ética profissional, Trabalho de/em Equipe, Biossegurança, Emoções no Trabalho, Distúrbios e Transtornos de Aprendizagem e Gênero, Habilidades Sociais e Sexualidade. Atendendo em Clínica Particular.
Contatos: Email: janetepsicologa@live.com
a representação da morte E O mito do cemitéiro em comunidade do município de biguaçu-SC: relato de experiência
Janete Leony Vitorino*
A constatação de que a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em adiá-la cada vez mais e, levando-se em conta a ajuda dinâmica da sociedade capitalista, que entende o morto como um ser improdutivo pretende-se a partir deste movimento visualizar nesta comunidade a significação da morte a partir, de depoimentos considerados relevantes dos moradores e funcionários do cemitério local. A intensão de analisar como esta comunidade lida com esta representação da morte é uma hipótese cogitada por nós, pois estes moradores assistem aos velórios realizados quase que diariamente, uma vez que o necrotério fica anexo ao cemitério e ainda verificar como os mesmos trabalham a perda, pois as pessoas veladas não estarão mais fazendo parte da comunidade. O cemitério é a terra dos antepassados, local este onde o passado e presente se chocam, onde as memórias afloram e as lágrimas caem, sendo também um lugar de oração, de reflexão, e também um local de comunicação, pois é através das lápides que o morto, através dos vivos tem sua história seja contada.
O cemitério também é considerado uma comunidade, necessitando por isso ser organizada, limpa, ter moradores, quadra, números etc. Segundo Muniz, 2006 “a visita a um cemitério é como uma visita a um museu”, pois especifica muito sobre o social e o cultural de um determinado grupo. A história oral trás resíduos da cultura material e auxilia na compreensão e redefinição da história local, por este motivo a história oral de uma comunidade deve ser tratada com respeito, por ser “um relato vivo do passado” (Muniz, 2006). É esta historia oral que será resgatada quando nos propomos a ir em busca de confirmação (ou não) das hipóteses em considerar que, por existir um cemitério localizado no meio de uma comunidade, esta por sua vez, e através da história oral, nos irá relatar fatos que confirmem nossos questionamentos e curiosidades. Espera-se que esta comunidade, através de seus moradores mais antigos nos forneçam relatos de histórias sobrenaturais ligadas a este cemitério em específico, pois o mesmo esta a quase cem anos nesta localidade. Cultura e significado estão intrinsecamente atrelados às representações sociais. De uma maneira ou de outra, refletem ou interferem entre si, pois uma vez construída a representação tem seu significado, que acaba sendo reflexo direto das representações, refletindo-se em nossas experiências e também naquilo que somos, representando desta forma, nossa identidade também.
Por que estudar a morte e suas representações? Ao se trabalhar com a morte e suas representações, trabalha-se, sobretudo com a memória. Uma coisa é encarar a morte a partir do conceito freudiano de que o “objetivo derradeiro da vida é sua própria extinção” e outra é pensar a realidade de cada morte individual, pois é importante a compreensão de como o homem encara nos dias atuais, seu destino final. Nesta pesquisa pretende-se também fazer um levantamento dos símbolos que acompanham os túmulos, e lápides, pois segundo Muniz (2006), os símbolos “nos falam quem era o morto e onde e quanto tempo ele viveu e o que representava para aqueles que não morreram”. Finalizando observa-se também que a morte é considerada por diversos autores como sendo “irmã do sono” ou “filha da noite”, pois a morte é introdutória aos mundos desconhecidos do paraíso, do inferno e do purgatório. Por esta razão a morte não é um drama individual e unicamente pessoal, mas sim é ela, o drama de uma comunidade que, súbita ou lentamente vê um de seus membros deixar de desempenhar um papel social definido e que desempenhavam quando eram vivos.
Isso é constatado na comunidade que pesquisaremos, pois juntamente com a morte e o cemitério, vão e estão as pessoas que faziam parte da vida das pessoas e desta comunidade e que não mais estarão presentes. Estudar a morte, os mitos e as lendas, é conhecer a própria história do homem, pois eles são tão antigos quanto o mesmo. As crenças em torno da morte nos motivaram a pesquisar o tema numa comunidade próxima a um local de morte, ou seja, o cemitério. Escolhemos a comunidade do município de Biguaçu, por ter em sua via de acesso. Compreende-se que através do relato oral a história, as crenças, os mitos e lendas, a cultura de um povo possa se perpetuar. Diante e desta temática elencou-se como problema de pesquisa verificar qual a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério. O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério na perspectiva da comunidade e do coveiro e como objetivos específicos, identificar os mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério, compreender os processos de significação morte/vida desta comunidade.
Por comunidade segundo Thompson (1995, apud JOVCHELOVITCH, 2008) é identificada um conjunto de questões interligadas que subjuga a idéia tradicional de comunidade que era a idéia tradicional de comunidade que era definida como, “um espaço geográfico relativamente pequeno, onde as pessoas conhecem bem uma às outras e se sentem estreitamente relacionadas não apenas a outros seres humanos, mas também a uma paisagem, a uma geografia particular e a um ambiente natural”. As comunidades humanas sempre se encontraram com o outro, desenvolvendo estratégias de comunicação. O que hoje é trazido de novo é o passo rápido deste encontro. A globalização como um processo cultural e psicológico, propiciou a criação simultânea de novas comunidades como as virtuais e a reorganização de velhas comunidades, de identidades, e lugar. Estas transformações mais recentes colocam novas questões à vida em comunidades à sobrevivência da mesma.
É através das relações sociais entre os sujeitos que segundo Marins (1998, apud Sarriera, 2000) que a comunidade compartilha conhecimentos reproduzindo-os. “A relação entre Psicologia e Sociedade está fundamentada na questão ética colocando a identidade e a alteridade como principais figuras, sempre em harmonia com as necessidades sociais, as especificidades culturais e os direitos humanos gerando assim estudos a fim de recuperar sua autonomia e resgatar estes direitos com fins de integração social”. (HELLER, 1987 apud SAWAIA, p. 47). Como história oral compreende-se uma metodologia muito usada em pesquisas histórias e sociológicas. Surgida como forma de valorização das memórias e recordações de indivíduos, é um método de recolhimento de informações através de entrevistas com pessoas que vivenciaram algum fato ocorrido. Apesar de seu uso crescente, a sua credibilidade enquanto dado é questionada por parte de alguns acadêmicos: o entrevistado pode ter uma trilha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar, omitir ou mesmo mentir. Mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória", conseguiu-se estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais.
O que poderia ser percebido como um problema acaba se transformando em um recurso, uma vez que o próprio entrevistador, no ato de produção da narrativa histórica, não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido. Mesmo quando o pesquisador tenha certeza de que o entrevistado esteja mentido conscientemente, cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo.
No caso de esquecimento, para ajudar suprir essa falha, podem-se usar os chamados "apoios de memória", como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa .Outra forte crítica à fidedignidade das fontes orais é a que elas são carregadas de subjetividade. Essa subjetividade muitas vezes é percebida, mas é ela que muitas vezes faz a diferença, pois as fontes orais contam-nos não apenas o que um povo ou um indivíduo fez, mas também os seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou fizeram. A fonte oral geralmente vem a ser uma das únicas formas de registro e estudo de algumas sociedades ágrafas ou também de alguns setores marginalizados da sociedade, uma vez que as classes dominantes, detentoras do controle sobre a escrita, por isso deixam registros mais abundantes. Muitos pesquisadores ainda acreditam que documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais.
No ato de contar histórias, os saberes sociais ganham vida e com eles as representações do passado e as apresentações da identidade. Contando histórias a comunidade lembra o que aconteceu colocando a experiência em seqüência. O contar histórias evoca campos de realidades intersubjetivas; campos de conhecimento e de reconhecimento, interligando: passado, presente e futuro e a produção de mitos, lendas e contos respondem à necessidade ligada à origem do sujeito Bartlett (1992, apud JOVCHELOVITCH, 2008).
É apenas a experiência refletida e elaborada que pode nos transformar e recuperar a substância histórica. A habilidade de recordar como elaboração de trabalhar simbolicamente o passado que outrora existiu, permitindo às comunidades refletir sobre compreender, revisar e se necessário renovar suas identidades, práticas e histórias. A produção de mitos, lendas e contos, responde a necessidades ligadas a origem de cada um, como também a preceitos morais (quando nos ensinam o que fazer). São estas histórias contadas que interligam o passado, o presente e o futuro e por isso estão entrelaçadas a construção e continuidade das comunidades (JOVCHELOVITCH, 2008).
Como representação social poderia se dizer que o conceito nasceu de um contraste entre Durkhein e Weber, da luta entre uma perfeita teoria da conformidade social fornecida por Durkhein e uma teoria da inovação e da influência das minorias fornecida por Weber (MOSCOVICI, 1993 apud JOVCHELOVITCH, 2008). As representações sociais pertencem a uma cadeia de conceitos que se referem às crenças, sentimentos e idéias habituais e homogeneamente compartilhadas pela comunidade. Essas representações sociais “ podem ser definidas como enquadres para o pensamento e a ação, compartilhados de forma homogênea, por uma comunidade” compreendendo assim: “ ideações, emoções, rituais e os costumes que os indivíduos carregam e desempenham, mas sobre os quais tem pouco controle” (JOVCHELOVITCH, 2008).
Segundo Malrieu (apud LANE e GODO, 1997, p. 35), a representação social é construída através da comunicação, na qual o sujeito se põe à prova através de suas ações, “ o valor – vantagens e desvantagens – do posicionamento dos que se comunicam com ele, objetivando e selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma procura de personalização”. Nesse processo de comunicação o mundo vai se estruturando. A comunicação e a personalização determinam e são determinadas pelas representações sociais. Podem-se conhecer as representações sociais de uma comunidade através dos discursos individuais de cada ator social e é neste contexto que o mito se configura como uma representação social.
Com relação a representação da morte no imaginário social é como mesclar, o simbólico e o imaginário como fazendo parte da formação das relações e aparecem nas vivências das pessoas e grupos (Sarriera et al, 2000, p. 36). Bowlby (2002) diz que cada cultura tem sua própria forma de abordar a morte e é nessa diversidade que podemos aprender a reconhecer, respeitar e lidar com a morte através da perspectiva do outro. Na sociedade atual existem pessoas que crêem na representação da boa morte e da má morte. A boa morte é aquela sob a qual as pessoas têm algum controle, as múltiplas representações de que uma “boa morte” é uma morte preparada, controlada e anunciada, se for mediada por profissionais habilitados pode se transformar em um evento natural e aceito socialmente. A “má morte” representa o incontrolável, acontece no local e momento inoportunos e ainda pode ser recriminada pela sociedade.
Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e exploratória, que responde conforme Minayo (1994) a questões subjetivas e tem como foco as pessoas com suas crenças, significações e valores, em seu contexto e que fazem parte de determinada condição social. Utiliza-se este tipo de pesquisa quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo espaço para a interpretação. (NEVES, 1996). A pesquisa qualitativa é uma modalidade de pesquisa muito utilizada na psicologia, pois permite o estudo de conceitos subjetivos. Não se pretende fazer generalizações das informações, pois o caráter da mesma é exploratório.
Outro método que foram utilizado foi a entrevista aberta e semiestruturada. A entrevista foi utilizada como um recurso para a construção de vínculos com os entrevistados já que a mesma estabelece a relação social e permite a proximidade real com o tema pesquisado. A entrevista semiestruturada foi utilizada a fim de definir o roteiro temático e tem como vantagens possibilitar maior profundidade e verdade de temas complexos. (HAGUETE, 1999).
Serão estabelecidos dois roteiros contendo cinco a seis questões que norteiam o tema, podendo variar durante o processo da entrevista. O roteiro A, destina-se ao funcionário do cemitério e o roteiro B, destina-se aos moradores da comunidade. A população utilizada para a pesquisa reside na comunidade do município de Biguaçu-SC. Participarão da mesma quatro (4 ) moradores desta comunidade, e também o coveiro do referido cemitério. Os critérios utilizados para a inclusão dos sujeitos nesta pesquisa foram: a) Serem moradores da comunidade supracitada e b) Serem trabalhadores deste cemitério, no caso do administrador e dos coveiros. Outros instrumentos utilizados para coleta de dados serão as observações livres e diálogos estabelecidos com os sujeitos da pesquisam, gravador e diário de campo. A entrevista semiestruturada com questionário aberto também constará como instrumentos de coleta de dados.
A observação livre deu-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com o intuito de obter informações desejadas sobre a totalidade do contexto da realidade dos sujeitos pesquisados, em seus princípios e particularidades. (Cruz Neto, 1995).
A equipe que realizou este trabalho, desde o início esteve motivada para a pesquisa sendo que em todas as visitas à comunidade e entrevistas realizadas houve a participação de todos os membros da equipe. Seguiu-se um roteiro pré-elaborado para a conclusão com êxito desta pesquisa. No dia 18 de setembro de 2008, realizamos a visita exploratória à comunidade e ao cemitério.
Em visita ao cemitério, conversamos também com os coveiros que relataram gostar do trabalho que exercem e solicitamos a possibilidade de marcarmos entrevistas com cada um deles para nos relatarem de suas experiências e se lembravam de algumas estórias relacionadas a este cemitério em particular. Realizamos no dia 22 de setembro a visita à comunidade próxima a este cemitério. Percorremos algumas ruas, conversamos com alguns moradores e solicitamos a possibilidade de nos concederem uma entrevista com a comunidade e o cemitério. Fomos sempre recebidos com sorrisos e não com café, mesmo porque a hora que a gente foi já tinha passado do momento do café, apenas éramos convidados para o almoço. Umas das integrantes da equipe aceitou um convite e depois da aula almoçou na residência de uma das entrevistadas. Neste mesmo dia, esta acadêmica passou pelo cemitério para confirmação da entrevista com um dos coveiros para o dia 25 de setembro de 2008.
Na semana seguinte fomos ao cemitério e realizamos a primeira entrevista. Conseguimos, construir um rapport e a entrevista seguiu um bom andamento. O primeiro coveiro a ser entrevistado ficou feliz em nos conceder a entrevista e se emocionou quando nos relatou os rituais de velório e enterro de crianças e jovens. Logo após a entrevista, nos mostrou uma série de curiosidades a respeito de cemitério e fizemos um verdadeiro passeio por entre aquela comunidade de mortos. No início do mês de outubro aconteceu nossa segunda entrevista com outro funcionário do cemitério. Foi muito importante a fala deste funcionário, uma vez que o mesmo trabalhava na coleta de lixo e foi convidado para executar suas atividades no cemitério municipal. Segundo ele, passou alguns dias pensando para então dar a resposta definitiva se aceitaria o cargo ou não. O mesmo retatou que no início foi muito difícil e perdeu o número de vezes que foi embora no meio do expediente. Quando ocorria um enterro ou uma abertura de túmulo, ele não conseguia ficar. Ele conta que conversou com sua mãe que o aconselhou a se apegar a Deus que isso passava, pois nós “temos que ter medo é dos vivos e não dos mortos”. Seu medo somente passou quando ele teve que executar sozinho o trabalho, pois o outro funcionário não estava presente naquele dia. Deste dia em diante o medo passou e o mesmo faz todo o trabalho que antes temia.
A entrevista com o administrador do cemitério ocorreu no dia 09 de outubro. Referiu-se que aceitou o convite do prefeito em administrar este cemitério que estava bastante abandonada até então. Este administrador nos relatou que trabalha neste cemitério há oito anos e quando aceitou o convite sabia de trabalho que o esperava. O cemitério era completamente tomado pelo mato que dificultava até a visão dos túmulos. Foram retirados, mais de quatro caminhões de lixo. Hoje se sente satisfeito em olhar e perceber e receber os elogios de todos os freqüentadores com relação à limpeza e ordem quanto á apresentação do referido cemitério. Enfatiza-nos da não necessidade do trabalho de vigilância noturna, pois os guardas poderiam ser alvos de vandalismo e perseguições que poderiam prejudicar a vida destes trabalhadores. O furto dos vasos de alumínio, uma constante neste cemitério, pode ser entendido com sendo praticados à noite e por pessoas que os trocam ou vendem por preços irrisórios. As famílias ficam aborrecidas, pois são artigos de preço considerável.
As próximas entrevistas foram realizadas com duas moradoras muito amigas que uma resolveu visitar a outra na hora da entrevista o que acabou se tornando uma conversa muito agradável, porém, cada uma teve seu momento de responder as perguntas. A primeira entrevistada tem 73 anos e mora há 47 anos nesta comunidade e veio para cá para ficar mais perto da cidade, pois morava no interior do município. A mesma está em processo de elaboração de luto pois havia perdido uma neta em acidente de trânsito acerca de dois anos. Ao nos relatar sobre a perda, ela emocionou-se e até levou-nos para ver as fotos da neta que ainda permaneciam na residência. Para esta entrevistada, a morte é uma coisa natural, porém, não aceita esta morte quando acontece com pessoas jovens, como o ocorrido com sua neta. Para eata entrevistada, o choro é necessário para significar o quanto se está sentindo a perda da pessoa.
A entrevista seguinte foi com uma moradora, que possui 57 anos e mora nesta comunidade há 32 anos. Veio para esta comunidade, porque a família vendeu a antiga propriedade que ficava em outro bairro e o dinheiro só deu para comprar um terreno nesta comunidade. Para esta moradora, as pessoas não tem medo de passar pelo local do cemitério à noite. O único medo que as pessoas tem é de ladrão, pois o lugar fica um pouco deserto. Quanto a ter algum conhecimento sobre mitos e lendas, a mesma dia que nunca ouviu falar de nenhuma história envolvendo este cemitério, pois é muito limpo e organizado. Para esta entrevistada, um velório com poucas pessoas significa que esta pessoa era “pouco querida” da comunidade. Já um velório com bastante gente significa que a pessoa era “muito querida” pela comunidade e que irá deixar saudade. A moradora relata que um velório bom é aquele com muitas flores, velas e com uma missa para encomendar o corpo para um bom caminho. Já um velório sem velas, flores ou missa, parece que o morto não tem um bom encaminhamento. Esta entrevistada possui vários parentes enterrados neste cemitério e comenta sobre a importância do mesmo nesta comunidade pela praticidade em realizar visitas constantes mantendo com isso vínculos afetivos e, conseqüentemente, a maior dificuldade na elaboração dos lutos.
A entrevista seguinte aconteceu no dia 23 de outubro com outra moradora da localidade. A mesma tem 52 anos e que mora nesta comunidade há 38 anos para esta entrevista. Nossa entrevistada relata que sempre trabalhou fora para poder criar seus quatro filhos. Sempre gostou de cozinhar e hoje está na perícia por conta de uma inflamação em articulações em membros superiores. A moradora relata que seu marido já possuía o terreno antes de casar e por isso construiu sua casa neste local e mora até hoje. Se dá bem com todos os visinhos e não pretende se mudar. “Só sairá dali para o cemitério”. Como sempre esteve fora de casa nunca soube de nenhuma história envolvendo o cemitério local. Segundo a mesma, estas histórias não acontecem porque o povo também não acredita que elas possam existir.
A mesma informa que “sempre teve muito medo de pessoa morta”, porém, fez uma simpatia ensinada por outra pessoa, que era “colocar a mão em uma pessoa morta”. Assim ela fez e até hoje o “medo de morto passou”. Não aceita a idéia de que outras doutrinas relatem a morte como uma coisa natural, por não chorarem e nem colocarem velas ou flores. Para os evangélicos, segundo a mesma, a morte é tida como o fim de tudo e isso ela não concorda. Tem certas doutrinas que não visitam seus mortos e isso ela não entende muito o porque deste não gesto com os entes queridos que se foram. Quanto ao trabalho dos coveiros esta moradora reconhece ser um trabalho de muita importância, uma vez que não é qualquer pessoa que pode executar esta tarefa. Além de todo trabalho braçal executado pelos funcionários, existe também um trabalho de apoio às famílias e o cuidado com o morto e com os restos mortais de quem estava enterrado anteriormente. Para esta moradora, o lugar mais tranqüilo da comunidade é, sem dúvida a instituição cemitério.
A última entrevista foi realizada no dia 30 de outubro com um morador. O mesmo desconhece qualquer história sobrenatural relacionada ao cemitério local e que mora há mais de 30 anos na localidade. Relata também da importância do cemitério enquanto de utilidade pública e o quanto o mesmo é importante para esta comunidade que não precisa se deslocar para outras localidades para enterrar seus mortos. Este morador em especial foi importante para o grupo no sentido do mesmo estar em tratamento psiquiátrico e psicológico em virtude de sintomas de síndrome do pânico e depressão. Relatou-nos da importância do profissional psicólogo em seu restabelecimento e o quanto foi importante o trabalho em conjunto ou seja, medicamentoso e psicoterápico. Voltamos fortalecidos pelas palavras deste morador que mais uma vez nos mostrou que estamos no caminho certo na escolha da profissão. Ficamos angustiados e frustrados em muitos momentos quando perguntávamos sobre as questões sobrenaturais e eles nos respondiam unanimemente que elas não existiam. Mas com certeza este foi um dos trabalhos acadêmicos mais gratificantes de nossa formação. Abaixo se mostra os quadros com os resultados das entrevistas, sendo que a figura 1 apresenta os resultados das entrevistas com os funcionários do cemitério e a figura 2 trata dos resultados das entrevistas com os moradores:
Figura 1: Respostas dos funcionários
Perguntas |
respostas
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funcionario J. |
Funcionário S. |
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1- O que o levou a escolher trabalhar no cemitério?
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Desemprego |
Transferência de posto |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Sim. Mulher de branco que desapareceu (ouviu) |
Não. Só os roubos. |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Evangélicos |
Evangélicos |
4- Qual o tipo de morte que mais lhe sensibiliza?
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Criança/jovem |
Criança |
5- O que significa a morte para você?
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Iguala os homens |
Não é o fim |
Figura 2: Respostas dos moradores
Perguntas |
respostas
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morador M. |
morador L. |
morador G. |
morador A. |
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1- O que o levou a escolher morar nesta comunidade?
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Proximidade de recursos |
Mudança |
Casamento |
Identificação |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Somente roubos |
Não |
Não. É invenção das pessoas |
Não |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
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Onde não há choro |
Aqueles que não usam vela, flores, missa, com pouca gente |
Evangélico. Acham muito natural |
Não vou a velórios |
4- Qual a importância do coveiro no cemitério?
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Muito grande. |
Cuida do local, da família e do morto |
É mais que um profissional. Tem muitas habilidades sociais |
Necessário |
5- O que significa a morte para você?
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Natural da vida |
Perda |
Descanso. Sono do qual não se acorda |
Passagem |
Mitos e lendas urbanas
Atualmente, os mortos não são mais enterrados “sob sete palmos de terra”, agora são construídas “carneiras” onde os caixões são depositados e vedados com cimento para evitar-se o espalhamento do “churume” ao lençol freático. Apesar de não haver mitos a respeitos do cemitério desta comunidade, a comunidade é transpassada por vários mitos e lendas sobre a morte. Apesar de ser um conceito não definido de modo preciso e unânime, os mitos constituem uma realidade antropológica fundamental, pois eles não só representam uma explicação sobre as origens do homem e do mundo em que se vive como traduzido por símbolos, ricos de significados, o modo como um povo ou uma civilização entende e interpreta a existência. Segundo, Eliade (apud FRAGOSO, 2008), “o mito é uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural”.
Observa-se que o místico ocupa lugar importante na construção da identidade social dos moradores desta comunidade. Nos velórios, enterros e devoção com seus mortos percebem-se o lugar das religiões, dos rituais, das flores, das velas, das moedas e da saída de costas do cemitério, o banho, o calçar a meia no morto, o respeito ao morto. É possível dizer para Harfuch (2005) que “ dentro dos cemitérios públicos da cidade ocorre a manifestação de uma posição religiosa e em alguns casos misturando em seus jazigos, elementos das mais diversas religiões, sem estarem necessariamente negando sua fé ou sendo incoerentes em suas convicções”.
o CEMITÉRIO enquanto lugar de memÓria e identidade
Há uma narrativa social da identidade do sujeito morto através dos símbolos que são colocados na sepultura, sendo esta a comunicação do morto com o vivo, através do desejo do morto ou pela ótica de quem não morreu. Através dos símbolos é visualizado à própria história de vida do morto. O apego a bens materiais, a profissão, a vocação, a vida de luxo representada nas ostentações, a vida afetiva e muito mais, estes símbolos dão à sepultura uma linguagem simbólica para quem a visita. Por este motivo, alguns autores como Godoi (2005) relatam que visitar um cemitério é como visitar um museu.
Sendo a morte ainda uma tabu, onde as pessoas procuram manter-se distantes dela, e têm grande dificuldade de aceitá-la, pode-se entender a construção de túmulos, acender velas, colocar imagens, lápides, estimular a lembrança, recordar o morto em vida é resgatar a vivência dos indivíduos que lá habitam e do universo que os cerca. Cada túmulo possui os registros de um ser e este possui sua história que deseja ser contada. É uma forma de as pessoas manterem o vinculo afetivo com quem já não vive mais entre eles. Torna-se um espaço que nos une em grande medida ao passado, o cemitério. Nos túmulos, nas inscrições das lápides, as datas de nascimento: testemunhos mudos, elogios fúnebres de diferentes viver, que falam do passado, um espetáculo confortante de memória, um espaço de se manter viva a esperança em memória os entes queridos. Finalizamos dizendo que a morte e o lidar com o morto, não são atos individuais e sim acontecimentos de práticas racionais, intrinsecamente relacionado com a memória e com a comunicação com os mortos, mantendo seu vinculo afetivo. Reconhecemos na morte, uma eficácia ritual. Ao olharmos nos cemitérios “[...] veremos a quantidade de ritos mágicos de que ele é objeto”. (RODRIGUES, 1975). Entre estes rituais, temos o próprio velório com suas representações.
O que de fato ocorre quanto da visualização do número de pessoas presentes ou não a um ritual de velório? O que se constatou pela história oral desta comunidade é que se numa velação ao morto o número de pessoas presentes representam o quanto esta pessoa é boa ou não; o que ela representou para a comunidade e para família. O velório bem assistido é o da pessoa tida como “boa”, com grande presença de membros da comunidade; já o velório que há pouca participação é o da pessoa que não é bem vista pela comunidade.
Considerações finais
Pelo fato deste cemitério permear a principal via de acesso à comunidade, a hipótese era de que este, estaria repleto de mitos e lendas urbanas. As hipóteses que consideradas relevantes, após a pesquisa de campo não se concretizaram, pelo contrário, a comunidade lida muito bem com a instituição cemitério, uma vez que reconhecem a importância do mesmo, como sendo de “utilidade pública”. A nuance que nos permeava, de uma crença em assombração e acontecimentos sobrenaturais, contrastou com a tranqüilidade e a paz que este cemitério representa para a comunidade. Verifica-se que a comunidade é produtora de conhecimentos a respeito da morte e reproduz este conhecimento através da história oral. A localização do cemitério nesta comunidade facilita o transporte, o velório e o enterro do morto, pois tudo é muito próximo. Esta proximidade com o cemitério foi relatada pelos moradores como um facilitador para a visitação aos entes falecidos mantendo com isso ainda um grande vínculo afetivo, dificultando o processo de elaboração do luto.
Observa-se a importância atribuída aos funcionários do cemitério pelas pessoas entrevistadas na comunidade. Todos os pesquisados falaram da importância deste profissional, pois os mesmos chegam a ficar depois do horário de trabalho, caso tenha um enterro após este. São comuns os relatos do conforto dado aos familiares enlutados por estes profissionais e dos cuidados dispensados aos mortos e aos ossos dos familiares que foram desenterrados para ceder lugar ao novo morto, pois os ossos são colocados num saco plástico, ficando ao lado do caixão do morto que acabou de ser enterrado. Não é a intenção deste trabalho generalizar os resultados, pois não foi realizado um estudo comparativo em outra comunidade que não tenha um cemitério lhe permeando, pensa-se, porém que talvez a não existência do cemitério nesta comunidade traria mitos e lendas sobre o mesmo, porém, é apenas mais uma hipótese. Pretendeu-se, com este trabalho, fazer algumas considerações e sugestões, uma vez que abrange algumas áreas da Psicologia como, Organizacional, Educacional, Social e Comunitária sendo: Quanto aos funcionários do cemitério o que pôde ser observado é que, são contratados através de concurso público para a vaga de Auxiliar de Serviços Gerais, mas além do profissional ter de entender dos serviços que presta à instituição tais como: manutenção dos túmulos, construção das carneiras; este lida com a morte diariamente, seja enterrando ou desenterrando corpos e ainda é esperado dele um comportamento de atenção à família do morto e ao morto também.
Vemos como importante a elaboração de um documento no qual se descreva as habilidades necessárias para este profissional assumir o cargo propondo a criação da profissão de “coveiro”, pois no edital do concurso, só consta a função de “Auxiliar de Serviços Gerais”, bem como fazer acompanhamento psicológico regular dos profissionais dos cemitérios do município. Pensa-se-se que este profissional possa ser um acadêmico de psicologia, abrindo com isso, campo de estágio em Psicologia Clínica, Organizacional e Educacional.
REFERÊNCIAS
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GODO, Wanderley; LANE, Silvia T. Maurer (Org.). Psicologia social: o homem em movimento. 13.ed. Sao Paulo: Brasiliense, 1999. 220p
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MUNIZ, Paulo Henrique. In: O estudo da morte e suas representações socioculturais, simbólicas e espaciais. Revista Varia Scientia, v. 06, n. 12, p. 159-169. Dez/2006. Disponível em < https://e-revista.unioeste.br/index.php/variascientia >. Acesso em 09 out 2008.
NEVES, L. J. Pesquisa qualitativa-características, usos e possibilidades. Caderno de pesquisas em administração. São Paulo, V.1, n 3, 2º sem/1996. Disponível em < https://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf >. Acesso em 12 out 2008.
RODRIGUES, José Carlos. O tabu do corpo. 2. ed. - Rio de Janeiro: Achiamé, 1975. XII. 174 p. – (Série Universidade. Antropologia Social; 2).
Sarriera, Jorge Castellá. Psicología comunitária – estudos sociais. Porto Alegre: Sulina 2000. 202 p.
SAWAIA, B. B. Comunidade: A apropriação científica de um conceito tão antigo quanto a humanidade. In Campos, Regina Helena de Freitas (org.). Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. – Petrópolis, Rj: Vozes, 1996.
WIKIPÉDIA, A enciclopédia livre. História oral. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=História_Oral > Acesso em 09 de outubro de 2008.
*Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC- Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Psicopedagoga pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL e Neuropsicopedagoga (Em Formação) pela Faculdade Porto das Águas – FAPAG. Capacitação em Saúde Baseada em Evidências (Em formação), pelo Hospital Sírio Libanês. Desenvolvendo atividades junto a Secretaria de Estado da Saúde – SEA de Florianópolis desde 1990 e no Instituto de Aperfeiçoamento Executivo Nacional – IAPEN - Nas áreas de Desenvolvimento de Pessoas, Preparação para Aposentadoria, Relacionamento Interpessoal, Ética profissional, Trabalho de/em Equipe, Biossegurança, Emoções no Trabalho, Distúrbios e Transtornos de Aprendizagem e Gênero, Habilidades Sociais e Sexualidade. Atendendo em Clínica Particular.
Contatos: Email: janetepsicologa@live.com
a representação da morte E O mito do cemitéiro em comunidade do município de biguaçu-SC: relato de experiência
Janete Leony Vitorino*
A constatação de que a morte é inevitável está encoberta pelo empenho em adiá-la cada vez mais e, levando-se em conta a ajuda dinâmica da sociedade capitalista, que entende o morto como um ser improdutivo pretende-se a partir deste movimento visualizar nesta comunidade a significação da morte a partir, de depoimentos considerados relevantes dos moradores e funcionários do cemitério local. A intensão de analisar como esta comunidade lida com esta representação da morte é uma hipótese cogitada por nós, pois estes moradores assistem aos velórios realizados quase que diariamente, uma vez que o necrotério fica anexo ao cemitério e ainda verificar como os mesmos trabalham a perda, pois as pessoas veladas não estarão mais fazendo parte da comunidade. O cemitério é a terra dos antepassados, local este onde o passado e presente se chocam, onde as memórias afloram e as lágrimas caem, sendo também um lugar de oração, de reflexão, e também um local de comunicação, pois é através das lápides que o morto, através dos vivos tem sua história seja contada.
O cemitério também é considerado uma comunidade, necessitando por isso ser organizada, limpa, ter moradores, quadra, números etc. Segundo Muniz, 2006 “a visita a um cemitério é como uma visita a um museu”, pois especifica muito sobre o social e o cultural de um determinado grupo. A história oral trás resíduos da cultura material e auxilia na compreensão e redefinição da história local, por este motivo a história oral de uma comunidade deve ser tratada com respeito, por ser “um relato vivo do passado” (Muniz, 2006). É esta historia oral que será resgatada quando nos propomos a ir em busca de confirmação (ou não) das hipóteses em considerar que, por existir um cemitério localizado no meio de uma comunidade, esta por sua vez, e através da história oral, nos irá relatar fatos que confirmem nossos questionamentos e curiosidades. Espera-se que esta comunidade, através de seus moradores mais antigos nos forneçam relatos de histórias sobrenaturais ligadas a este cemitério em específico, pois o mesmo esta a quase cem anos nesta localidade. Cultura e significado estão intrinsecamente atrelados às representações sociais. De uma maneira ou de outra, refletem ou interferem entre si, pois uma vez construída a representação tem seu significado, que acaba sendo reflexo direto das representações, refletindo-se em nossas experiências e também naquilo que somos, representando desta forma, nossa identidade também.
Por que estudar a morte e suas representações? Ao se trabalhar com a morte e suas representações, trabalha-se, sobretudo com a memória. Uma coisa é encarar a morte a partir do conceito freudiano de que o “objetivo derradeiro da vida é sua própria extinção” e outra é pensar a realidade de cada morte individual, pois é importante a compreensão de como o homem encara nos dias atuais, seu destino final. Nesta pesquisa pretende-se também fazer um levantamento dos símbolos que acompanham os túmulos, e lápides, pois segundo Muniz (2006), os símbolos “nos falam quem era o morto e onde e quanto tempo ele viveu e o que representava para aqueles que não morreram”. Finalizando observa-se também que a morte é considerada por diversos autores como sendo “irmã do sono” ou “filha da noite”, pois a morte é introdutória aos mundos desconhecidos do paraíso, do inferno e do purgatório. Por esta razão a morte não é um drama individual e unicamente pessoal, mas sim é ela, o drama de uma comunidade que, súbita ou lentamente vê um de seus membros deixar de desempenhar um papel social definido e que desempenhavam quando eram vivos.
Isso é constatado na comunidade que pesquisaremos, pois juntamente com a morte e o cemitério, vão e estão as pessoas que faziam parte da vida das pessoas e desta comunidade e que não mais estarão presentes. Estudar a morte, os mitos e as lendas, é conhecer a própria história do homem, pois eles são tão antigos quanto o mesmo. As crenças em torno da morte nos motivaram a pesquisar o tema numa comunidade próxima a um local de morte, ou seja, o cemitério. Escolhemos a comunidade do município de Biguaçu, por ter em sua via de acesso. Compreende-se que através do relato oral a história, as crenças, os mitos e lendas, a cultura de um povo possa se perpetuar. Diante e desta temática elencou-se como problema de pesquisa verificar qual a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério. O objetivo geral desta pesquisa foi identificar a contribuição da história oral na reprodução dos mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério na perspectiva da comunidade e do coveiro e como objetivos específicos, identificar os mitos e lendas urbanas referentes ao cemitério, compreender os processos de significação morte/vida desta comunidade.
Por comunidade segundo Thompson (1995, apud JOVCHELOVITCH, 2008) é identificada um conjunto de questões interligadas que subjuga a idéia tradicional de comunidade que era a idéia tradicional de comunidade que era definida como, “um espaço geográfico relativamente pequeno, onde as pessoas conhecem bem uma às outras e se sentem estreitamente relacionadas não apenas a outros seres humanos, mas também a uma paisagem, a uma geografia particular e a um ambiente natural”. As comunidades humanas sempre se encontraram com o outro, desenvolvendo estratégias de comunicação. O que hoje é trazido de novo é o passo rápido deste encontro. A globalização como um processo cultural e psicológico, propiciou a criação simultânea de novas comunidades como as virtuais e a reorganização de velhas comunidades, de identidades, e lugar. Estas transformações mais recentes colocam novas questões à vida em comunidades à sobrevivência da mesma.
É através das relações sociais entre os sujeitos que segundo Marins (1998, apud Sarriera, 2000) que a comunidade compartilha conhecimentos reproduzindo-os. “A relação entre Psicologia e Sociedade está fundamentada na questão ética colocando a identidade e a alteridade como principais figuras, sempre em harmonia com as necessidades sociais, as especificidades culturais e os direitos humanos gerando assim estudos a fim de recuperar sua autonomia e resgatar estes direitos com fins de integração social”. (HELLER, 1987 apud SAWAIA, p. 47). Como história oral compreende-se uma metodologia muito usada em pesquisas histórias e sociológicas. Surgida como forma de valorização das memórias e recordações de indivíduos, é um método de recolhimento de informações através de entrevistas com pessoas que vivenciaram algum fato ocorrido. Apesar de seu uso crescente, a sua credibilidade enquanto dado é questionada por parte de alguns acadêmicos: o entrevistado pode ter uma trilha de memória, pode criar uma trajetória artificial, se auto-celebrar, fantasiar, omitir ou mesmo mentir. Mesmo diante dessa "não confiabilidade da memória", conseguiu-se estabelecer uma metodologia bem estruturada para a produção de dados a partir dos relatos orais.
O que poderia ser percebido como um problema acaba se transformando em um recurso, uma vez que o próprio entrevistador, no ato de produção da narrativa histórica, não deixa de produzir uma versão do que entendeu ter acontecido. Mesmo quando o pesquisador tenha certeza de que o entrevistado esteja mentido conscientemente, cabe a ele, entrevistador, tentar entender as razões da "mentira", ou seja, quais os motivos que estão levando a pessoa a mentir, podendo ser aplicado o mesmo no caso da ilusão biográfica, quando o indivíduo faz uma produção artificial de si mesmo.
No caso de esquecimento, para ajudar suprir essa falha, podem-se usar os chamados "apoios de memória", como fotografias, objetos e outras coisas que possam ajudar o entrevistado a se recordar melhor dos fatos em pesquisa .Outra forte crítica à fidedignidade das fontes orais é a que elas são carregadas de subjetividade. Essa subjetividade muitas vezes é percebida, mas é ela que muitas vezes faz a diferença, pois as fontes orais contam-nos não apenas o que um povo ou um indivíduo fez, mas também os seus anseios, o que acreditavam estar fazendo ou fizeram. A fonte oral geralmente vem a ser uma das únicas formas de registro e estudo de algumas sociedades ágrafas ou também de alguns setores marginalizados da sociedade, uma vez que as classes dominantes, detentoras do controle sobre a escrita, por isso deixam registros mais abundantes. Muitos pesquisadores ainda acreditam que documentos escritos são "mais confiáveis" do que as fontes orais.
No ato de contar histórias, os saberes sociais ganham vida e com eles as representações do passado e as apresentações da identidade. Contando histórias a comunidade lembra o que aconteceu colocando a experiência em seqüência. O contar histórias evoca campos de realidades intersubjetivas; campos de conhecimento e de reconhecimento, interligando: passado, presente e futuro e a produção de mitos, lendas e contos respondem à necessidade ligada à origem do sujeito Bartlett (1992, apud JOVCHELOVITCH, 2008).
É apenas a experiência refletida e elaborada que pode nos transformar e recuperar a substância histórica. A habilidade de recordar como elaboração de trabalhar simbolicamente o passado que outrora existiu, permitindo às comunidades refletir sobre compreender, revisar e se necessário renovar suas identidades, práticas e histórias. A produção de mitos, lendas e contos, responde a necessidades ligadas a origem de cada um, como também a preceitos morais (quando nos ensinam o que fazer). São estas histórias contadas que interligam o passado, o presente e o futuro e por isso estão entrelaçadas a construção e continuidade das comunidades (JOVCHELOVITCH, 2008).
Como representação social poderia se dizer que o conceito nasceu de um contraste entre Durkhein e Weber, da luta entre uma perfeita teoria da conformidade social fornecida por Durkhein e uma teoria da inovação e da influência das minorias fornecida por Weber (MOSCOVICI, 1993 apud JOVCHELOVITCH, 2008). As representações sociais pertencem a uma cadeia de conceitos que se referem às crenças, sentimentos e idéias habituais e homogeneamente compartilhadas pela comunidade. Essas representações sociais “ podem ser definidas como enquadres para o pensamento e a ação, compartilhados de forma homogênea, por uma comunidade” compreendendo assim: “ ideações, emoções, rituais e os costumes que os indivíduos carregam e desempenham, mas sobre os quais tem pouco controle” (JOVCHELOVITCH, 2008).
Segundo Malrieu (apud LANE e GODO, 1997, p. 35), a representação social é construída através da comunicação, na qual o sujeito se põe à prova através de suas ações, “ o valor – vantagens e desvantagens – do posicionamento dos que se comunicam com ele, objetivando e selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma procura de personalização”. Nesse processo de comunicação o mundo vai se estruturando. A comunicação e a personalização determinam e são determinadas pelas representações sociais. Podem-se conhecer as representações sociais de uma comunidade através dos discursos individuais de cada ator social e é neste contexto que o mito se configura como uma representação social.
Com relação a representação da morte no imaginário social é como mesclar, o simbólico e o imaginário como fazendo parte da formação das relações e aparecem nas vivências das pessoas e grupos (Sarriera et al, 2000, p. 36). Bowlby (2002) diz que cada cultura tem sua própria forma de abordar a morte e é nessa diversidade que podemos aprender a reconhecer, respeitar e lidar com a morte através da perspectiva do outro. Na sociedade atual existem pessoas que crêem na representação da boa morte e da má morte. A boa morte é aquela sob a qual as pessoas têm algum controle, as múltiplas representações de que uma “boa morte” é uma morte preparada, controlada e anunciada, se for mediada por profissionais habilitados pode se transformar em um evento natural e aceito socialmente. A “má morte” representa o incontrolável, acontece no local e momento inoportunos e ainda pode ser recriminada pela sociedade.
Como metodologia utilizou-se a pesquisa qualitativa e exploratória, que responde conforme Minayo (1994) a questões subjetivas e tem como foco as pessoas com suas crenças, significações e valores, em seu contexto e que fazem parte de determinada condição social. Utiliza-se este tipo de pesquisa quando se busca percepções e entendimento sobre a natureza geral de uma questão, abrindo espaço para a interpretação. (NEVES, 1996). A pesquisa qualitativa é uma modalidade de pesquisa muito utilizada na psicologia, pois permite o estudo de conceitos subjetivos. Não se pretende fazer generalizações das informações, pois o caráter da mesma é exploratório.
Outro método que foram utilizado foi a entrevista aberta e semiestruturada. A entrevista foi utilizada como um recurso para a construção de vínculos com os entrevistados já que a mesma estabelece a relação social e permite a proximidade real com o tema pesquisado. A entrevista semiestruturada foi utilizada a fim de definir o roteiro temático e tem como vantagens possibilitar maior profundidade e verdade de temas complexos. (HAGUETE, 1999).
Serão estabelecidos dois roteiros contendo cinco a seis questões que norteiam o tema, podendo variar durante o processo da entrevista. O roteiro A, destina-se ao funcionário do cemitério e o roteiro B, destina-se aos moradores da comunidade. A população utilizada para a pesquisa reside na comunidade do município de Biguaçu-SC. Participarão da mesma quatro (4 ) moradores desta comunidade, e também o coveiro do referido cemitério. Os critérios utilizados para a inclusão dos sujeitos nesta pesquisa foram: a) Serem moradores da comunidade supracitada e b) Serem trabalhadores deste cemitério, no caso do administrador e dos coveiros. Outros instrumentos utilizados para coleta de dados serão as observações livres e diálogos estabelecidos com os sujeitos da pesquisam, gravador e diário de campo. A entrevista semiestruturada com questionário aberto também constará como instrumentos de coleta de dados.
A observação livre deu-se através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, com o intuito de obter informações desejadas sobre a totalidade do contexto da realidade dos sujeitos pesquisados, em seus princípios e particularidades. (Cruz Neto, 1995).
A equipe que realizou este trabalho, desde o início esteve motivada para a pesquisa sendo que em todas as visitas à comunidade e entrevistas realizadas houve a participação de todos os membros da equipe. Seguiu-se um roteiro pré-elaborado para a conclusão com êxito desta pesquisa. No dia 18 de setembro de 2008, realizamos a visita exploratória à comunidade e ao cemitério.
Em visita ao cemitério, conversamos também com os coveiros que relataram gostar do trabalho que exercem e solicitamos a possibilidade de marcarmos entrevistas com cada um deles para nos relatarem de suas experiências e se lembravam de algumas estórias relacionadas a este cemitério em particular. Realizamos no dia 22 de setembro a visita à comunidade próxima a este cemitério. Percorremos algumas ruas, conversamos com alguns moradores e solicitamos a possibilidade de nos concederem uma entrevista com a comunidade e o cemitério. Fomos sempre recebidos com sorrisos e não com café, mesmo porque a hora que a gente foi já tinha passado do momento do café, apenas éramos convidados para o almoço. Umas das integrantes da equipe aceitou um convite e depois da aula almoçou na residência de uma das entrevistadas. Neste mesmo dia, esta acadêmica passou pelo cemitério para confirmação da entrevista com um dos coveiros para o dia 25 de setembro de 2008.
Na semana seguinte fomos ao cemitério e realizamos a primeira entrevista. Conseguimos, construir um rapport e a entrevista seguiu um bom andamento. O primeiro coveiro a ser entrevistado ficou feliz em nos conceder a entrevista e se emocionou quando nos relatou os rituais de velório e enterro de crianças e jovens. Logo após a entrevista, nos mostrou uma série de curiosidades a respeito de cemitério e fizemos um verdadeiro passeio por entre aquela comunidade de mortos. No início do mês de outubro aconteceu nossa segunda entrevista com outro funcionário do cemitério. Foi muito importante a fala deste funcionário, uma vez que o mesmo trabalhava na coleta de lixo e foi convidado para executar suas atividades no cemitério municipal. Segundo ele, passou alguns dias pensando para então dar a resposta definitiva se aceitaria o cargo ou não. O mesmo retatou que no início foi muito difícil e perdeu o número de vezes que foi embora no meio do expediente. Quando ocorria um enterro ou uma abertura de túmulo, ele não conseguia ficar. Ele conta que conversou com sua mãe que o aconselhou a se apegar a Deus que isso passava, pois nós “temos que ter medo é dos vivos e não dos mortos”. Seu medo somente passou quando ele teve que executar sozinho o trabalho, pois o outro funcionário não estava presente naquele dia. Deste dia em diante o medo passou e o mesmo faz todo o trabalho que antes temia.
A entrevista com o administrador do cemitério ocorreu no dia 09 de outubro. Referiu-se que aceitou o convite do prefeito em administrar este cemitério que estava bastante abandonada até então. Este administrador nos relatou que trabalha neste cemitério há oito anos e quando aceitou o convite sabia de trabalho que o esperava. O cemitério era completamente tomado pelo mato que dificultava até a visão dos túmulos. Foram retirados, mais de quatro caminhões de lixo. Hoje se sente satisfeito em olhar e perceber e receber os elogios de todos os freqüentadores com relação à limpeza e ordem quanto á apresentação do referido cemitério. Enfatiza-nos da não necessidade do trabalho de vigilância noturna, pois os guardas poderiam ser alvos de vandalismo e perseguições que poderiam prejudicar a vida destes trabalhadores. O furto dos vasos de alumínio, uma constante neste cemitério, pode ser entendido com sendo praticados à noite e por pessoas que os trocam ou vendem por preços irrisórios. As famílias ficam aborrecidas, pois são artigos de preço considerável.
As próximas entrevistas foram realizadas com duas moradoras muito amigas que uma resolveu visitar a outra na hora da entrevista o que acabou se tornando uma conversa muito agradável, porém, cada uma teve seu momento de responder as perguntas. A primeira entrevistada tem 73 anos e mora há 47 anos nesta comunidade e veio para cá para ficar mais perto da cidade, pois morava no interior do município. A mesma está em processo de elaboração de luto pois havia perdido uma neta em acidente de trânsito acerca de dois anos. Ao nos relatar sobre a perda, ela emocionou-se e até levou-nos para ver as fotos da neta que ainda permaneciam na residência. Para esta entrevistada, a morte é uma coisa natural, porém, não aceita esta morte quando acontece com pessoas jovens, como o ocorrido com sua neta. Para eata entrevistada, o choro é necessário para significar o quanto se está sentindo a perda da pessoa.
A entrevista seguinte foi com uma moradora, que possui 57 anos e mora nesta comunidade há 32 anos. Veio para esta comunidade, porque a família vendeu a antiga propriedade que ficava em outro bairro e o dinheiro só deu para comprar um terreno nesta comunidade. Para esta moradora, as pessoas não tem medo de passar pelo local do cemitério à noite. O único medo que as pessoas tem é de ladrão, pois o lugar fica um pouco deserto. Quanto a ter algum conhecimento sobre mitos e lendas, a mesma dia que nunca ouviu falar de nenhuma história envolvendo este cemitério, pois é muito limpo e organizado. Para esta entrevistada, um velório com poucas pessoas significa que esta pessoa era “pouco querida” da comunidade. Já um velório com bastante gente significa que a pessoa era “muito querida” pela comunidade e que irá deixar saudade. A moradora relata que um velório bom é aquele com muitas flores, velas e com uma missa para encomendar o corpo para um bom caminho. Já um velório sem velas, flores ou missa, parece que o morto não tem um bom encaminhamento. Esta entrevistada possui vários parentes enterrados neste cemitério e comenta sobre a importância do mesmo nesta comunidade pela praticidade em realizar visitas constantes mantendo com isso vínculos afetivos e, conseqüentemente, a maior dificuldade na elaboração dos lutos.
A entrevista seguinte aconteceu no dia 23 de outubro com outra moradora da localidade. A mesma tem 52 anos e que mora nesta comunidade há 38 anos para esta entrevista. Nossa entrevistada relata que sempre trabalhou fora para poder criar seus quatro filhos. Sempre gostou de cozinhar e hoje está na perícia por conta de uma inflamação em articulações em membros superiores. A moradora relata que seu marido já possuía o terreno antes de casar e por isso construiu sua casa neste local e mora até hoje. Se dá bem com todos os visinhos e não pretende se mudar. “Só sairá dali para o cemitério”. Como sempre esteve fora de casa nunca soube de nenhuma história envolvendo o cemitério local. Segundo a mesma, estas histórias não acontecem porque o povo também não acredita que elas possam existir.
A mesma informa que “sempre teve muito medo de pessoa morta”, porém, fez uma simpatia ensinada por outra pessoa, que era “colocar a mão em uma pessoa morta”. Assim ela fez e até hoje o “medo de morto passou”. Não aceita a idéia de que outras doutrinas relatem a morte como uma coisa natural, por não chorarem e nem colocarem velas ou flores. Para os evangélicos, segundo a mesma, a morte é tida como o fim de tudo e isso ela não concorda. Tem certas doutrinas que não visitam seus mortos e isso ela não entende muito o porque deste não gesto com os entes queridos que se foram. Quanto ao trabalho dos coveiros esta moradora reconhece ser um trabalho de muita importância, uma vez que não é qualquer pessoa que pode executar esta tarefa. Além de todo trabalho braçal executado pelos funcionários, existe também um trabalho de apoio às famílias e o cuidado com o morto e com os restos mortais de quem estava enterrado anteriormente. Para esta moradora, o lugar mais tranqüilo da comunidade é, sem dúvida a instituição cemitério.
A última entrevista foi realizada no dia 30 de outubro com um morador. O mesmo desconhece qualquer história sobrenatural relacionada ao cemitério local e que mora há mais de 30 anos na localidade. Relata também da importância do cemitério enquanto de utilidade pública e o quanto o mesmo é importante para esta comunidade que não precisa se deslocar para outras localidades para enterrar seus mortos. Este morador em especial foi importante para o grupo no sentido do mesmo estar em tratamento psiquiátrico e psicológico em virtude de sintomas de síndrome do pânico e depressão. Relatou-nos da importância do profissional psicólogo em seu restabelecimento e o quanto foi importante o trabalho em conjunto ou seja, medicamentoso e psicoterápico. Voltamos fortalecidos pelas palavras deste morador que mais uma vez nos mostrou que estamos no caminho certo na escolha da profissão. Ficamos angustiados e frustrados em muitos momentos quando perguntávamos sobre as questões sobrenaturais e eles nos respondiam unanimemente que elas não existiam. Mas com certeza este foi um dos trabalhos acadêmicos mais gratificantes de nossa formação. Abaixo se mostra os quadros com os resultados das entrevistas, sendo que a figura 1 apresenta os resultados das entrevistas com os funcionários do cemitério e a figura 2 trata dos resultados das entrevistas com os moradores:
Figura 1: Respostas dos funcionários
Perguntas |
respostas
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funcionario J. |
Funcionário S. |
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1- O que o levou a escolher trabalhar no cemitério?
|
Desemprego |
Transferência de posto |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Sim. Mulher de branco que desapareceu (ouviu) |
Não. Só os roubos. |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
|
Evangélicos |
Evangélicos |
4- Qual o tipo de morte que mais lhe sensibiliza?
|
Criança/jovem |
Criança |
5- O que significa a morte para você?
|
Iguala os homens |
Não é o fim |
Figura 2: Respostas dos moradores
Perguntas |
respostas
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morador M. |
morador L. |
morador G. |
morador A. |
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1- O que o levou a escolher morar nesta comunidade?
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Proximidade de recursos |
Mudança |
Casamento |
Identificação |
2- Pode nos relatar alguma história sobrenatural, vivida ou ouvida a respeito do cemitério?
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Somente roubos |
Não |
Não. É invenção das pessoas |
Não |
3- Quais os cerimoniais de enterro que mais lhe impressionaram?
|
Onde não há choro |
Aqueles que não usam vela, flores, missa, com pouca gente |
Evangélico. Acham muito natural |
Não vou a velórios |
4- Qual a importância do coveiro no cemitério?
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Muito grande. |
Cuida do local, da família e do morto |
É mais que um profissional. Tem muitas habilidades sociais |
Necessário |
5- O que significa a morte para você?
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Natural da vida |
Perda |
Descanso. Sono do qual não se acorda |
Passagem |
Mitos e lendas urbanas
Atualmente, os mortos não são mais enterrados “sob sete palmos de terra”, agora são construídas “carneiras” onde os caixões são depositados e vedados com cimento para evitar-se o espalhamento do “churume” ao lençol freático. Apesar de não haver mitos a respeitos do cemitério desta comunidade, a comunidade é transpassada por vários mitos e lendas sobre a morte. Apesar de ser um conceito não definido de modo preciso e unânime, os mitos constituem uma realidade antropológica fundamental, pois eles não só representam uma explicação sobre as origens do homem e do mundo em que se vive como traduzido por símbolos, ricos de significados, o modo como um povo ou uma civilização entende e interpreta a existência. Segundo, Eliade (apud FRAGOSO, 2008), “o mito é uma narrativa tradicional de conteúdo religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do sobrenatural”.
Observa-se que o místico ocupa lugar importante na construção da identidade social dos moradores desta comunidade. Nos velórios, enterros e devoção com seus mortos percebem-se o lugar das religiões, dos rituais, das flores, das velas, das moedas e da saída de costas do cemitério, o banho, o calçar a meia no morto, o respeito ao morto. É possível dizer para Harfuch (2005) que “ dentro dos cemitérios públicos da cidade ocorre a manifestação de uma posição religiosa e em alguns casos misturando em seus jazigos, elementos das mais diversas religiões, sem estarem necessariamente negando sua fé ou sendo incoerentes em suas convicções”.
o CEMITÉRIO enquanto lugar de memÓria e identidade
Há uma narrativa social da identidade do sujeito morto através dos símbolos que são colocados na sepultura, sendo esta a comunicação do morto com o vivo, através do desejo do morto ou pela ótica de quem não morreu. Através dos símbolos é visualizado à própria história de vida do morto. O apego a bens materiais, a profissão, a vocação, a vida de luxo representada nas ostentações, a vida afetiva e muito mais, estes símbolos dão à sepultura uma linguagem simbólica para quem a visita. Por este motivo, alguns autores como Godoi (2005) relatam que visitar um cemitério é como visitar um museu.
Sendo a morte ainda uma tabu, onde as pessoas procuram manter-se distantes dela, e têm grande dificuldade de aceitá-la, pode-se entender a construção de túmulos, acender velas, colocar imagens, lápides, estimular a lembrança, recordar o morto em vida é resgatar a vivência dos indivíduos que lá habitam e do universo que os cerca. Cada túmulo possui os registros de um ser e este possui sua história que deseja ser contada. É uma forma de as pessoas manterem o vinculo afetivo com quem já não vive mais entre eles. Torna-se um espaço que nos une em grande medida ao passado, o cemitério. Nos túmulos, nas inscrições das lápides, as datas de nascimento: testemunhos mudos, elogios fúnebres de diferentes viver, que falam do passado, um espetáculo confortante de memória, um espaço de se manter viva a esperança em memória os entes queridos. Finalizamos dizendo que a morte e o lidar com o morto, não são atos individuais e sim acontecimentos de práticas racionais, intrinsecamente relacionado com a memória e com a comunicação com os mortos, mantendo seu vinculo afetivo. Reconhecemos na morte, uma eficácia ritual. Ao olharmos nos cemitérios “[...] veremos a quantidade de ritos mágicos de que ele é objeto”. (RODRIGUES, 1975). Entre estes rituais, temos o próprio velório com suas representações.
O que de fato ocorre quanto da visualização do número de pessoas presentes ou não a um ritual de velório? O que se constatou pela história oral desta comunidade é que se numa velação ao morto o número de pessoas presentes representam o quanto esta pessoa é boa ou não; o que ela representou para a comunidade e para família. O velório bem assistido é o da pessoa tida como “boa”, com grande presença de membros da comunidade; já o velório que há pouca participação é o da pessoa que não é bem vista pela comunidade.
Considerações finais
Pelo fato deste cemitério permear a principal via de acesso à comunidade, a hipótese era de que este, estaria repleto de mitos e lendas urbanas. As hipóteses que consideradas relevantes, após a pesquisa de campo não se concretizaram, pelo contrário, a comunidade lida muito bem com a instituição cemitério, uma vez que reconhecem a importância do mesmo, como sendo de “utilidade pública”. A nuance que nos permeava, de uma crença em assombração e acontecimentos sobrenaturais, contrastou com a tranqüilidade e a paz que este cemitério representa para a comunidade. Verifica-se que a comunidade é produtora de conhecimentos a respeito da morte e reproduz este conhecimento através da história oral. A localização do cemitério nesta comunidade facilita o transporte, o velório e o enterro do morto, pois tudo é muito próximo. Esta proximidade com o cemitério foi relatada pelos moradores como um facilitador para a visitação aos entes falecidos mantendo com isso ainda um grande vínculo afetivo, dificultando o processo de elaboração do luto.
Observa-se a importância atribuída aos funcionários do cemitério pelas pessoas entrevistadas na comunidade. Todos os pesquisados falaram da importância deste profissional, pois os mesmos chegam a ficar depois do horário de trabalho, caso tenha um enterro após este. São comuns os relatos do conforto dado aos familiares enlutados por estes profissionais e dos cuidados dispensados aos mortos e aos ossos dos familiares que foram desenterrados para ceder lugar ao novo morto, pois os ossos são colocados num saco plástico, ficando ao lado do caixão do morto que acabou de ser enterrado. Não é a intenção deste trabalho generalizar os resultados, pois não foi realizado um estudo comparativo em outra comunidade que não tenha um cemitério lhe permeando, pensa-se, porém que talvez a não existência do cemitério nesta comunidade traria mitos e lendas sobre o mesmo, porém, é apenas mais uma hipótese. Pretendeu-se, com este trabalho, fazer algumas considerações e sugestões, uma vez que abrange algumas áreas da Psicologia como, Organizacional, Educacional, Social e Comunitária sendo: Quanto aos funcionários do cemitério o que pôde ser observado é que, são contratados através de concurso público para a vaga de Auxiliar de Serviços Gerais, mas além do profissional ter de entender dos serviços que presta à instituição tais como: manutenção dos túmulos, construção das carneiras; este lida com a morte diariamente, seja enterrando ou desenterrando corpos e ainda é esperado dele um comportamento de atenção à família do morto e ao morto também.
Vemos como importante a elaboração de um documento no qual se descreva as habilidades necessárias para este profissional assumir o cargo propondo a criação da profissão de “coveiro”, pois no edital do concurso, só consta a função de “Auxiliar de Serviços Gerais”, bem como fazer acompanhamento psicológico regular dos profissionais dos cemitérios do município. Pensa-se-se que este profissional possa ser um acadêmico de psicologia, abrindo com isso, campo de estágio em Psicologia Clínica, Organizacional e Educacional.
REFERÊNCIAS
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FRAGOSO, Vitor. O Mito, uma necessidade do homem? Portal Philosofia.Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Antropologia Sociocultural do 2º ano de Psicologia do Instituto Superior da Maia-Portugal Disponível em <https:// www.portalphilosophia.org >. Acesso em 09 Nov 2008.
GODO, Wanderley; LANE, Silvia T. Maurer (Org.). Psicologia social: o homem em movimento. 13.ed. Sao Paulo: Brasiliense, 1999. 220p
GODOI, Adolfo Felix. Turismo em cemitérios. Revista de Estudos Turísticos. Ed. 11. nov. 2005. Disponível em https://www.etur.com.br/conteudocompleto.asp?IDConteudo=928 - 34k. Acesso em 09 Nov. 2008.
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JOVCHELOVITCH, Sandra. Os contextos do saber: representações, comunidade e cultura/ Sandra Jovchelovitch: Tradução de Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ. Vozes, 2008.
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NEVES, L. J. Pesquisa qualitativa-características, usos e possibilidades. Caderno de pesquisas em administração. São Paulo, V.1, n 3, 2º sem/1996. Disponível em < https://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/C03-art06.pdf >. Acesso em 12 out 2008.
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WIKIPÉDIA, A enciclopédia livre. História oral. Disponível em < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=História_Oral > Acesso em 09 de outubro de 2008.
*Graduada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC- Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Psicopedagoga pela Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL e Neuropsicopedagoga (Em Formação) pela Faculdade Porto das Águas – FAPAG. Capacitação em Saúde Baseada em Evidências (Em formação), pelo Hospital Sírio Libanês. Desenvolvendo atividades junto a Secretaria de Estado da Saúde – SEA de Florianópolis desde 1990 e no Instituto de Aperfeiçoamento Executivo Nacional – IAPEN - Nas áreas de Desenvolvimento de Pessoas, Preparação para Aposentadoria, Relacionamento Interpessoal, Ética profissional, Trabalho de/em Equipe, Biossegurança, Emoções no Trabalho, Distúrbios e Transtornos de Aprendizagem e Gênero, Habilidades Sociais e Sexualidade. Atendendo em Clínica Particular.
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